quinta-feira, 5 de novembro de 2020



05 DE NOVEMBRO DE 2020
L.F.VERISSIMO

Smoking por baixo 

Nada confirma que um martíni sacudido seja melhor do que um martíni mexido, mas Bond, James Bond, especificava: seu martíni deveria ser sacudido numa coqueteleira antes de servido. Com a mesma certeza, ele dissertava sobre a correta temperatura para tomar um saquê. Bond, James Bond, sabia o que estava dizendo. Bond, James Bond, sempre sabia o que estava dizendo.

Parte da sua atração era que também sempre sabia o que estava fazendo, fosse com martínis ou mulheres. Só Bond, James Bond, chegava na festa na casa do bandido por baixo d?água para escapar dos seguranças, mas tirava a roupa de mergulhador na praia e por baixo estava impecavelmente de smoking. Bond, James Bond, foi o último herói do Ocidente a nunca ter dúvidas sobre o que e como fazer.

Curiosamente, embora a maior parte dos filmes do 007 coincidisse com a Guerra Fria na sua fase ainda latejante, são raros os filmes em que os vilões sejam da União Soviética. Quase sempre são bandidos freelance, malucos empenhados em dominar ou destruir o mundo até que o fiel súdito da rainha estrague seus planos, geralmente em finais apocalípticos. 

Se existe alguma coisa de política nas aventuras de Bond, James Bond, é a glorificação, mitigada pelo bom humor, do direito de um agente de Sua Majestade de intervir onde e como quiser, mesmo que seu objetivo seja salvar a civilização. Alguém certa vez reagiu à declaração ufanista de que o sol nunca se punha sobre o chão do império britânico com uma correção: o sangue nunca secava no chão do império britânico. Mas considerações sobre os horrores do imperialismo não combinam com martínis bem feitos. E Bond, James Bond, estava apenas cumprindo ordens.

Sean Connery será sempre o 007 prototípico, mas teve uma respeitável carreira longe do personagem. Estava no melhor filme feito até agora de um livro do John Le Carré, A Casa da Rússia, roteiro do Tom Stoppard, direção do Fred Scheipisi, um australiano que emigrou para os Estados Unidos e merece que se fique de olho.

L.F. VERISSIMO

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