sábado, 8 de novembro de 2014


09 de novembro de 2014 | N° 17978
L. F. VERISSIM0

Dias da Rocha

Ideia para uma história. Um preso moço é colocado na mesma cela de um preso velho. Antes de entrar na cela, ouve de um guarda o aviso:

– Cuidado.

Pergunta por que, mas o guarda não diz mais nada. Só sacode a cabeça, lamentando toda a loucura do mundo.

O preso velho está deitado na sua cama, virado para a parede. O moço o cumprimenta e diz o seu nome. O velho não responde nem se vira. O moço insiste: pergunta qual é o nome do velho. O velho nada. O moço desiste.

Naquela noite, ouve o velho falando sozinho. Sua fala é cadenciada. O moço não entende as palavras. O velho parece estar recitando uma oração. Uma litania. Pausadamente.

– ...zabel ...unior ...oxo... Isto acontece todas as noites.

– ...arvalho ...viviê... antas...

Aos poucos, o moço começa a decifrar as palavras que o velho diz. São nomes. Isso, nomes. Nomes de ruas... As ruas de Copacabana! O moço finalmente as identifica. O velho recita os nomes de todas as ruas transversais de Copacabana, da Princesa Izabel à Francisco Otaviano. Todas as noites. E pela ordem.

– Princesa Isabel... Prado Junior... Belfor Roxo... Ronald de Carvalho... Duvivier... Rodolfo Dantas...Fernando Mendes... República do Peru... Paula Freitas... Hilário de Gouveia...

Há anos que ele faz isso, pensa o moço. Todas as noites, há anos.

E ele sempre pula uma rua, estranha o moço. A Dias da Rocha, entre Raimundo Correia e Constante Ramos. Devo alertá-lo de que ele está esquecendo uma ou é melhor não me meter? Ele obviamente não quer conversa comigo. Recitar as ruas de Copacabana deve ser sua maneira de lembrar sua vida lá fora.

De evocar seus dias de liberdade e sol. De sonhar, de não enlouquecer. Ou talvez ele pule a Rua Dias da Rocha de propósito. Algo aconteceu na Rua Dias da Rocha que ele prefere não lembrar. Mas chamar atenção para a sua falha talvez seja um jeito de me aproximar dele, pensa o moço. De nos conhecermos, de começarmos a nos relacionar, já que estamos condenados a viver juntos nesta cela.

O moço decide esperar o momento para intervir.

– ...Santa Clara... Raimundo Correia...

– Dias da Rocha! – grita o moço.

Silêncio.

– Você esqueceu a Dias da Rocha – diz o moço.

São necessários três guardas para arrancar as mãos do velho da garganta do moço e tirar o moço da cela. No caminho de outra cela, onde ficará a salvo da fúria do velho, o moço ouve um dos guardas dizer:

– Você teve sorte de a gente chegar a tempo. Ele já matou dois.


E acrescentar: – Eu não disse que era pra ter cuidado?

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