16
de novembro de 2014 | N° 17985
PAULO
SANT’ANA
Ilusões
sepultadas
Cumpro
o doloroso dever de noticiar que foram sepultadas ontem, num cemitério
arrabaldino, todas as minhas ilusões.
Foram
enterradas com pompa e circunstância.
Portanto,
não me iludo com mais nada.
“Para
iludir minha desgraça, estudo. / Intimamente sei que não me iludo. / Para onde
vou (o mundo inteiro o nota) / Nos meus olhares fúnebres, carrego / A
indiferença estúpida de um cego / E o ar indolente de um chinês idiota!”
Não
tenho, portanto, desde ontem, sequer mais uma ilusão. Só me restam como
prazeres da vida os pequenos de dormir e fazer por vezes lautas refeições.
Amar?
Nem de longe. Não cabe mais neste coração, que já foi peregrino, nem uma
paixão, quanto mais um grande amor.
O
meu terreno das grandes emoções foi salgado, e nele não viceja mais nada.
Em
suma, não chega a ser viver este meu novo expediente. É vegetar.
Tenho
inveja dos álacres que amam, dos que se levantam e desde a manhã se preparam
para o encontro com a mulher amada.
Tenho
profunda inveja dos que são capazes de comprar um ramo de flores e escrever um
soneto ou um acróstico.
Nada
que se pareça com amor cabe mais nas minhas divagações. Tudo que se refira às
alturas magníficas a que se pode lançar um coração apaixonado é coisa que não
me pertence.
Ah,
como eram alegres aqueles tempos em que eu passeava com ela pelo parque, de
mãos dadas, duvidando de que na vida existissem tantos desgraçados. Pois
existem, e um deles é este que vos escreve.
Falam
de amor, eu ouço tudo e calo, não me é dado mais esse direito, meu coração
calcinado não abriga mais tamanha ilusão.
Chego
às vezes a pensar, com despeito, que o amor na humanidade é uma mentira.
Não
é, mas deixem que eu me engane.
Estão
lá no fundo de uma cova de um cemitério distante as minhas últimas ilusões.
Foram
grandiosas, comoventes, altissonantes. E hoje não são mais nada.
Será
que é lícito que continue vivendo sem palpitar um coração desanimado?
É
permitido a um ser humano viver sem um grande amor.
Que
desperdício!
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