15
de novembro de 2014 | N° 17984
CLÁUDIA
LAITANO
Pegação
Não
há nenhuma evidência científica, mas estou convencida de que a minha geração
foi a primeira a “ficar” na festa. Ali, no finzinho dos anos 70, talvez um
pouco antes, já eram comuns os casaizinhos de ocasião, formados para meia dúzia
de beijos e sem qualquer perspectiva de romance sério à vista. Não era algo que
se corria para contar para a mãe, mas era do jogo – e marcava uma diferença bem
nítida em relação ao comportamento social da geração anterior de adolescentes.
O
tempo passou, o verbo ficou – assimilando, aos poucos, novos arranjos
românticos conforme a época. Se antes ficava-se com uma pessoa de cada vez a
cada noite (juro, mãe!), a geração multitarefa tratou de popularizar a ficação
em série em uma única festa (o que, cá entre nós, contradiz o próprio termo,
que parece exigir um mínimo de permanência no tempo e no espaço para fazer
algum sentido). Talvez por isso mesmo, porque essa imobilidade implícita da palavra
não combina com a era mobile, nos últimos tempos o plácido “ficar” foi perdendo
espaço para o afoito “pegar”.
Quando
a gente implica com uma nova palavra, é preciso parar um instante para
refletir. Uma gíria é sempre o reflexo de suas circunstâncias, e portanto é
possível que algumas novas expressões nos incomodem exatamente porque nos
lembram como estamos distantes da nossa própria juventude. Acho que não é o
caso aqui.
Nunca
gostei do termo “pegar” – e por diferentes motivos. Para começar, há algo
desconfortável na ideia de empregar, para o encontro entre duas pessoas por
mais rápido e fortuito que seja, o mesmo verbo que usamos para nossos contatos
com xícaras, ônibus e resfriados. “Pegar” alguém parece atender a uma urgência
nervosa e solitária, que dispensa reciprocidade. Diante de “pegar”, “ficar” é
Romeu e Julieta.
Na
semana que passou, um abaixo-assinado no site Avaaz pedia a proibição da vinda
ao Brasil do americano Julien Blanc, que ministra palestras em que ensina como
“pegar mulheres” e é acusado de disseminar a cultura do estupro e do sexismo.
Blanc, que tem compromissos agendados no Rio e em Florianópolis em janeiro,
autodenomina-se um PUA (“pick up artist” ou “artista da pegação”).
Recentemente, foi deportado da Austrália depois de uma petição online
semelhante à do Brasil.
Em
suas palestras mundo afora, Julien Blanc não apenas autoriza os homens a serem
violentos contra as mulheres, como faz parecer que é “cool” ignorar o desejo
alheio para fazer valer o próprio. De certa forma, leva a ideia de “pegar” ao
seu limite de impessoalidade e solidão. O problema não é apenas que exista
gente ganhando dinheiro com isso, mas que possa haver tantos homens dispostos a
pagar para aprender a serem cafajestes – e tão poucos cafajestes interessados em
aprender a ser homens.
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