12
de novembro de 2014 | N° 17981
CAMPEÃS
DE AUDIÊNCIA
Por que elas correm nuas?
Porto
Alegre vive tempos de um despudor público e espetacular. O radar das conversas
de grupos do WhatsApp, das timelines do Facebook e da audiência dos sites de
notícias aponta para a mesma coisa: mulheres nuas correndo pelas ruas da
Capital.
Foram
três casos em 11 dias – o primeiro no Parcão, o segundo, na Terceira
Perimetral, e o terceiro, no Centro. Este, do último domingo, não está esclarecido
– não há registro na Brigada Militar, e uma testemunha relata ter sido uma
corrida de pouco mais de uma quadra. Descartando a hipótese de uma ação
publicitária, o que leva uma pessoa a tirar a roupa e correr na rua?
É um
caso clínico?
– Não
dá para dizer que todos são doentes ou que têm patologias mais definidas. Tem
de tudo, inclusive doentes – diz o psiquiatra Gabriel Camargo. – Esse tipo pode
precisar de alguma ajuda médica para recuperar o equilíbrio e a autoestima
perdida por causa da exposição.
A
professora de psiquiatria da Faculdade de Medicina da PUCRS Nina Furtado
recorre à teoria freudiana: as normas sociais e culturais que formam o superego
(uma espécie de síndico chato do condomínio da mente) individual e grupal não
aceitam a nudez pública e a reprimem. Expor os genitais é uma agressão à convenção
cultural vigente. Nina afirma:
– Existe
um transtorno de exibicionismo, que é a exposição dos órgãos para chocar os
outros. A necessidade de ser visto e chocar, que é uma forma de constranger,
chamar atenção ou de controle sobre os outros pela nudez. No momento em que (a
nudez) começa a causar algum tipo de sofrimento para a pessoa ou para outros, a
exposição em excesso começa a entrar na área da doença.
Os
dois psiquiatras concordam que a divulgação dos episódios de nudez na imprensa
e nas redes sociais pode estimular o comportamento, mas é preciso que haja uma
pré-disposição a esse tipo de postura, ou seja, que as pessoas já tenham uma
vontade de se expor.
– Pode
ser uma ansiedade social por notoriedade. Pessoas com nítidos traços neuróticos,
muito desejosas de publicidade e sem muito controle dos impulsos. Os psicóticos,
que estão fora da realidade, são os mais suscetíveis – diz Camargo.
Pode
ser um protesto?
Para
Nina Furtado, ficar nu como forma de protesto tem sentido porque traz bastante
exposição para a mensagem. Os nus públicos grupais, segundo Gabriel Camargo, são
mais um movimento de natureza sociológica do que patológica, que rendem
compartilhamentos no Facebook e uns bons cliques aos portais de notícias.
Um
exemplo que teve bastante repercussão foi a Pedalada Pelada, em dezembro do ano
passado em Porto Alegre. Ciclistas andaram nus pelas ruas da cidade para,
segundo eles, “mostrar a fragilidade daqueles que utilizam a bicicleta no trânsito”.
E se
for uma ação publicitária?
Ao
contrário dos primeiros dois casos, a pelada que correu no Centro domingo não
teve imagens registradas pelo público – há apenas aquelas feitas pelo fotógrafo
da agência Futurapress Fernando Teixeira (que não atendeu as ligações de ZH) – o
que levantou a suspeita: seria o caso de uma ação de marketing? Marcelo Aimi,
professor da pós-graduação da ESPM-Sul, acha estranho não haver mais referências,
o que corrobora a tese de ação comercial.
– Se
for uma campanha, é o momento do teaser, a marca lança uma peça de comunicação
sem assinatura. Produz apenas o conceito – explica Aimi.
Caso
seja revelada uma marca por trás disso, estaríamos diante da chamada ação de
guerrilha, que usa poucos recursos e aposta em uma ideia inovadora capaz de
chamar atenção da imprensa:
– O
objetivo é criar um viral e tornar a marca conhecida pelo compartilhamento de
conteúdo pelo público.
O
efeito pode ser reverso:
– Tu
estás trabalhando com a confiança. A pessoa compra isso como verdade e depois
descobre que era mentira. Pode se sentir enganada. É uma estratégia de risco.
claudio.rabin@zerohora.com.br
CLÁUDIO
GOLDBERG RABIN
O
QUE DIZ A LEI
De
certo modo, o Direito exerce o papel de superego oficial.
– Nossa
civilização tem uma forte influência cristã. A questão da obscenidade se torna
aguda. Isso acaba se traduzindo na legislação – diz Lúcio de Constantino,
advogado criminalista e professor universitário. O artigo 233 do Código Penal
Brasileiro diz que quem “praticar ato obsceno em lugar público, ou aberto ou
exposto ao público” pode receber pena de “detenção, de três meses a um ano, ou
multa”. Mas a lei, vale lembrar, é de 1940. – Hoje, dificilmente alguém vai
cumprir pena de prisão – garante Constantino. – Se (o nu) está correto ou não, é
outra coisa.
Em
entrevista ao programa Gaúcha Repórter, o advogado e professor universitário
Rodrigo Moraes de Oliveira citou o caso de um porto-alegrense que saía para
assobiar, nu, nos fundos de casa. Uma vizinha registrou ocorrência, mas a Justiça
considerou que não havia espaço aberto ao público – era o quintal da casa do
sujeito.
– A
lei não é mais que a vontade do povo em determinada época – comenta o advogado
e professor de direito penal Amadeu Weinmann. – Os hábitos mudam com a
sociedade. Talvez, no futuro, a gente estranhe ver alguém vestido na rua. Hoje,
a roupa ainda faz parte da prova da civilização.
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