domingo, 16 de novembro de 2014

SAMUEL PESSÔA

O manifesto e a saída da ministra

Marta Suplicy ecoa crítica do PT à alteração do regime de política econômica que foi feita em 2009

Na semana passada, tratei do manifesto assinado por diversos economistas heterodoxos, com críticas a um ajustamento econômico mais profundo no segundo mandato de Dilma. O texto do manifesto pode ser encontrado em http://brasildebate.com.br/economistas- pelo-desenvolvimento-e-pela- inclusao-social/.

O manifesto defende a continuidade da política econômica adotada a partir de 2009 e com mais intensidade a partir de 2011.

Trata-se de um conjunto de medidas, que ficou conhecido por nova matriz econômica, na expres- são cunhada pelo ministro da Fazenda, que representa forte virada heterodoxa em relação ao regime de política econômica do período de Malan e Palocci, também chamado de "Malocci".

Entre tantas medidas do paco- te de heterodoxias do atual regime de política econômica, podem ser mencionados:

a) o controle direto dos preços e a maior leniência com a inflação; b) a tentativa de reduzir na marra os juros; c) a perda de transpa- rência na política fiscal, além da forte piora das contas públicas; d) o excesso de intervencionismo nas políticas de desenvolvimento setorial (política de conteúdo nacio- nal e alteração do marco regulatório do petróleo, entre outras) e de concessão de crédito subsidiado (hipertrofia do BNDES); e) desonerações de impostos tópicas, segundo lógica muito pouco transparente; etc. A lista é longa.

Evidentemente discordo integralmente dos termos do manifesto. Devo ser mais um dos "porta-vozes do mercado financeiro", que é como o documento se refere a quem pensa diferente deles.

Um dos erros mais crassos do manifesto é comparar a situação econômica que vivemos com a dos países centrais, principalmente a União Europeia e o Japão e em menor medida os Estados Unidos.

As economias centrais experimentam elevadas taxas de desemprego, risco deflacionário, juros nominais nulos e superavit externo.

No nosso caso temos baixo desemprego, inflação no teto da meta, juros nominais de 11,25% ao ano e subindo e deficit externo a caminho de 4% do PIB. O baixo crescimento, diferentemente do caso europeu ou do japonês, não resulta da carência de demanda, mas sim do baixo crescimento da produtividade. Trata-se de problema de oferta, e não de demanda.

Na semana passada, a ministra da Cultura e ex-prefeita de São Paulo pelo PT, Marta Suplicy, entregou sua carta de demissão.

Carta de oito parágrafos, no sétimo lê-se: "Todos nós, brasileiros, desejamos, neste momento, que a senhora seja iluminada ao escolher sua nova equipe de trabalho, a começar por uma equipe econômica independente, experiente e comprovada, que resgate a confiança e a credibilidade ao seu governo e que, acima de tudo, esteja comprometida com uma nova agenda de estabilidade e crescimento para o nosso país. Isso é o que hoje o Brasil, ansiosamente, aguarda e espera".

Há claramente na carta da ministra demissionária uma crítica ao atual regime de política econômica e um pedido para que se retorne ao regime de política econômica do período "Malocci".

Meu entendimento é que a ministra ecoa crítica maior do partido, e principalmente dos políticos do partido, à alteração do regime de política econômica que houve em 2009.

Os políticos, animais pragmáticos que são, incluindo Lula, já perceberam há tempos que a nova matriz econômica deu com os burros n'água. A defesa da nova matriz é tarefa unicamente ideológica das pessoas que, por formação, creem que esse pacote de política econômica está correto e que todos os problemas que temos tido resultam da crise internacional.

A temperatura deve estar quente nas hostes petistas. De um lado, os políticos profissionais, liderados por Lula, demandando uma virada pragmática na política econômica --de preferência que a presidente terceirize a política econômica para um novo Palocci.

Enquanto isso, economistas ideológicos, incluindo a presidente e o atual ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, defendem o legado da nova matriz.

É esse o sentido da escolha do novo ministro da Fazenda. O nome sinalizará se haverá ou não uma virada liberal na política econômica.


SAMUEL PESSÔA, formado em física e doutor em economia pela USP, é pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da FGV. Escreve aos domingos nesta coluna.

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