SAMUEL
PESSÔA
O manifesto e a saída da
ministra
Marta
Suplicy ecoa crítica do PT à alteração do regime de política econômica que foi
feita em 2009
Na
semana passada, tratei do manifesto assinado por diversos economistas
heterodoxos, com críticas a um ajustamento econômico mais profundo no segundo
mandato de Dilma. O texto do manifesto pode ser encontrado em
http://brasildebate.com.br/economistas- pelo-desenvolvimento-e-pela-
inclusao-social/.
O
manifesto defende a continuidade da política econômica adotada a partir de 2009
e com mais intensidade a partir de 2011.
Trata-se
de um conjunto de medidas, que ficou conhecido por nova matriz econômica, na
expres- são cunhada pelo ministro da Fazenda, que representa forte virada
heterodoxa em relação ao regime de política econômica do período de Malan e
Palocci, também chamado de "Malocci".
Entre
tantas medidas do paco- te de heterodoxias do atual regime de política
econômica, podem ser mencionados:
a) o
controle direto dos preços e a maior leniência com a inflação; b) a tentativa
de reduzir na marra os juros; c) a perda de transpa- rência na política fiscal,
além da forte piora das contas públicas; d) o excesso de intervencionismo nas
políticas de desenvolvimento setorial (política de conteúdo nacio- nal e alteração
do marco regulatório do petróleo, entre outras) e de concessão de crédito
subsidiado (hipertrofia do BNDES); e) desonerações de impostos tópicas, segundo
lógica muito pouco transparente; etc. A lista é longa.
Evidentemente
discordo integralmente dos termos do manifesto. Devo ser mais um dos
"porta-vozes do mercado financeiro", que é como o documento se refere
a quem pensa diferente deles.
Um
dos erros mais crassos do manifesto é comparar a situação econômica que vivemos
com a dos países centrais, principalmente a União Europeia e o Japão e em menor
medida os Estados Unidos.
As
economias centrais experimentam elevadas taxas de desemprego, risco
deflacionário, juros nominais nulos e superavit externo.
No
nosso caso temos baixo desemprego, inflação no teto da meta, juros nominais de
11,25% ao ano e subindo e deficit externo a caminho de 4% do PIB. O baixo
crescimento, diferentemente do caso europeu ou do japonês, não resulta da
carência de demanda, mas sim do baixo crescimento da produtividade. Trata-se de
problema de oferta, e não de demanda.
Na
semana passada, a ministra da Cultura e ex-prefeita de São Paulo pelo PT, Marta
Suplicy, entregou sua carta de demissão.
Carta
de oito parágrafos, no sétimo lê-se: "Todos nós, brasileiros, desejamos,
neste momento, que a senhora seja iluminada ao escolher sua nova equipe de
trabalho, a começar por uma equipe econômica independente, experiente e
comprovada, que resgate a confiança e a credibilidade ao seu governo e que,
acima de tudo, esteja comprometida com uma nova agenda de estabilidade e
crescimento para o nosso país. Isso é o que hoje o Brasil, ansiosamente,
aguarda e espera".
Há
claramente na carta da ministra demissionária uma crítica ao atual regime de
política econômica e um pedido para que se retorne ao regime de política
econômica do período "Malocci".
Meu
entendimento é que a ministra ecoa crítica maior do partido, e principalmente
dos políticos do partido, à alteração do regime de política econômica que houve
em 2009.
Os
políticos, animais pragmáticos que são, incluindo Lula, já perceberam há tempos
que a nova matriz econômica deu com os burros n'água. A defesa da nova matriz é
tarefa unicamente ideológica das pessoas que, por formação, creem que esse
pacote de política econômica está correto e que todos os problemas que temos
tido resultam da crise internacional.
A
temperatura deve estar quente nas hostes petistas. De um lado, os políticos
profissionais, liderados por Lula, demandando uma virada pragmática na política
econômica --de preferência que a presidente terceirize a política econômica
para um novo Palocci.
Enquanto
isso, economistas ideológicos, incluindo a presidente e o atual ministro-chefe
da Casa Civil, Aloizio Mercadante, defendem o legado da nova matriz.
É
esse o sentido da escolha do novo ministro da Fazenda. O nome sinalizará se
haverá ou não uma virada liberal na política econômica.
SAMUEL
PESSÔA, formado em física e doutor em economia pela USP, é pesquisador do
Instituto Brasileiro de Economia da FGV. Escreve aos domingos nesta
coluna.
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