17
de novembro de 2014 | N° 17986
L.F.
VERISSIMO
Adieu, adieu, adieu
Encontrei
o livro numa livraria de língua inglesa em Munique. O título era irresistível: Nabokov´s
Shakespeare. O William Shakespeare de Vladimir Nabokov! Escrito por um
americano de quem eu nunca tinha ouvido falar, Samuel Schuman, especialista em
Nabokov e ex-presidente da Sociedade Internacional Vladimir Nabokov, que eu
também não sabia que existia. O que Schuman faz no livro é catar todas as referências
a Shakespeare na obra de Nabokov e descobrir paralelos entre as peças de um e
os romances do outro. Levando o leitor, numa viagem de prospecção intelectual
fascinante, a descobertas insuspeitadas.
Você
imaginaria que o Lolita, do Nabokov, tem muito a ver com A Tempestade, de
Shakespeare? As alusões do russo ao inglês que Schuman encontra às vezes
aparecem como ouro em areia lavada, só visíveis a olhos treinados e exigindo
algum esforço, e às vezes são explícitas. Só um exemplo: o predador Humbert
Humbert do Nabokov, um monstro assumido tanto quanto o Caliban do Shakespeare,
diz que meninas da idade da sua presa Lolita “não são humanas mas nínficas (isto
é, demoníacas)” e habitam, metaforicamente, o que ele descreve como “uma ilha
encantada, que assombram, rodeada por um mar vasto e brumoso” – o que é exatamente
a descrição da ilha mágica em que Próspero se despede da vida, na peça em que
Shakespeare – que não escreveria mais nada depois – se despede do público.
Além
de A Tempestade, quase todas as peças de Shakespeare forneceram citações a
Nabokov, algumas escondidas e outras à tona, e cada uma tem seu capítulo no
livro de Schuman. O capítulo mais longo trata de Hamlet, que era a peça
preferida de Nabokov.
Sabe-se
muito pouco sobre a vida de Shakespeare, e ninguém pode dizer ao certo o que é verdade
ou invenção no pouco que se sabe. Nabokov – para quem Hamlet era “provavelmente
o maior milagre da história da literatura” – gostava de uma história sobre o
Shakespeare ator, mesmo sem poder saber se era fato. Shakespeare teria
interpretado o fantasma do pai de Hamlet, que aparece no começo da peça e pede
que seu filho vingue sua morte. (Quando perguntaram ao Nabokov que cena ele
gostaria de ver filmada um dia, ele respondeu: “Shakespeare no papel do
fantasma do rei”). Para Nabokov, Shakespeare só queria se apropriar da última
fala do fantasma, antes de voltar para a noite da morte:
Adieu, adieu, adieu. Remember me. Remember
me.
Lembrem-se
de mim... Shakespeare não precisava ter se preocupado.
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