13
de novembro de 2014 | N° 17982
L.F.
VERISSIMO
Força moral
Quando
o Barack Obama lançou seu plano nacional de saúde, muitos americanos foram para
as ruas manifestar seu apoio e agradecer a novidade. Que tardava, já que os
Estados Unidos eram a única potência industrial do mundo que não tinha um plano
de cobertura universal. Isto pensaria você, e pensaria errado. As manifestações,
insufladas por seguradoras e pelo lobby dos programas de saúde particulares,
eram contra o plano.
O
chamado “Obamacare” teve um começo meio turbulento, mas agora funciona bem,
beneficiando principalmente pobres e desempregados – o que não impediu que
continuasse a ser combatido pelos interesses contrariados e pela oposição
republicana, que vê nele mais uma prova de que Obama quer levar o país para o
socialismo.
Durante
todo o primeiro mandato do presidente, os republicanos, com maioria na Câmara
dos Deputados, não fizeram outra coisa senão tentar boicotar seu governo e
frustrar todas as suas promessas na área social. O Baraca tinha uma escassa
maioria democrata no Senado com a qual dialogar. Depois das eleições da semana
passada, não tem mais. O país foi para a direita e o deixou falando sozinho.
Você
e eu pensaríamos que um plano abrangente de saúde que assegurasse atendimento a
todo mundo teria uma força moral capaz de derrotar qualquer conveniência política
ou econômica. “Força moral”, eu sei, não é um poder reconhecido num mundo
regido pela ganância e pelo cinismo. Nem na esquerda, na qual soa como
sentimentalismo burguês inútil.
Mas
há dias li uma matéria da Naomi Klein (canadense, autora de No Logo, A Doutrina
do Choque e outros livros de crítica aos desmandos do capitalismo) que trouxe
um novo alento a este coração ingênuo. Naomi comparava a campanha pela abolição
da escravatura ao atual movimento para salvar o planeta das agressões dos
humanos à natureza, que estão nos levando para uma cucuia de proporções ainda
indefinidas.
E
ela lembra que foi uma revolta contra a desumanidade da escravidão, portanto
uma reação moral, que forçou a abolição. Não foi pouco o que o império britânico,
por exemplo, perdeu junto com o direito de explorar a escravidão. Só as suas
plantações de açúcar no Caribe no século 18, totalmente dependentes do trabalho
escravo, davam mais lucro aos ingleses do que todas as suas outras colônias
reunidas.
E
foi no parlamento inglês que a revolta moral contra a escravidão tomou forma
relevante, apressando a abolição. Nos Estados Unidos, entre várias outras razões
econômicas e geopolíticas para forçar o Sul a renunciar à escravidão, sua
simples imoralidade anticristã foi decisiva. No Brasil só demoramos um pouco
mais para nos escandalizarmos.
A
direita republicana que agora domina os Estados Unidos não acredita que os
humanos estejam causando o envenenamento do planeta. Ou que, se estão, isto
seja razão para mudar.
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