23
de novembro de 2014 | N° 17992
ANTONIO
PRATA
Precisamos falar sobre
aborto
O
título dessa coluna é um manifesto lançado semana passada pela revista TPM
(bit.ly/1Hbnesy). Como participo da campanha, o mínimo que posso fazer é falar
sobre o assunto.
Das
pessoas de quem mais discordo, as com quem mais concordo são as contra a
descriminalização do aborto. Afinal, elas são contra o direito de as mulheres
interromperem a gravidez pela mesma razão que eu sou a favor: respeito à vida.
Uma
vida é algo precioso, raro, sagrado: assino embaixo e reconheço firma em
cartório. Justamente por pensar assim, acredito que uma criança só deve vir ao
mundo porque seus pais quiseram, não porque tiveram medo de ir pra cadeia.
Entre um bebê que cresce sem amor, em casa ou num orfanato, e uma gestação
interrompida até o terceiro mês, a segunda opção me parece, de longe, a menos
ruim.
Não
estou dizendo que uma gravidez indesejada desembocará, necessariamente, numa
criança mal-amada. Muitos bebês que surgiram mais por conta do desejo de um
adulto por outro do que pelo desejo dos dois de terem um filho acabam se
transformando numa grata surpresa. Mas se um casal (ou uma mulher) decide ter
esse filho não planejado, ele passa a ser um filho planejado: se não com anos,
ao menos com alguns meses de antecedência. Ele é uma escolha, não uma vítima do
nosso arcaico Código Penal.
Como
já sabia Vinicius de Moraes, criar um filho não é nada fácil (“Mas se não os
temos...”). A noite passada acordei às três e às cinco da manhã pra consolar
minha filha que, gripada, chorava no berço. (Dava pra ver nos olhos dela a
indignação: “O nariz não tá funcionando! Eu tô tendo que respirar pela boca! É
ultrajante! Faça alguma coisa!”). É preciso todo o amor do mundo – e uma
profissão que não te obrigue a acordar às seis da matina – pra ver graça numa
hora dessas.
Fico
imaginando a estudante de 15 anos que casou às pressas com o primeiro namorado,
um motoboy de 18, largou a escola e foi morar num puxadinho na casa dos sogros,
no mesmo quarto que o bebê. Fico imaginando o motoboy ouvindo o choro às
quatro, já misturado às buzinas que ouvirá a partir das sete, para ganhar uma
merreca que será inteiramente convertida em Hipoglós e fraldas da Mônica. Fico
imaginando o futuro dessa criança.
Ser
feliz não é nada fácil. O cérebro humano, esse computador genial e
incompetente, inventa aviões, concebe romances e pinturas com mais facilidade
do que nos faz feliz. Que o digam, ou melhor, não o digam, Santos Dumont,
Hemingway e Van Gogh, que jogaram a toalha.
Uma
pessoa com todas as condições para a felicidade – comida, um teto, amor, estudo
– tem grandes chances de nunca alcançá-la. Imagina só uma criança que ninguém
quer, que chega ao mundo com o ônus de ter esculhambado a vida dos pais? Deus
do céu: existe coisa mais terrível do que um orfanato? Bebês e crianças sem pai
nem mãe, esperando que algum dia alguém os leve consigo?
Um
feto de algumas semanas que não vem ao mundo é uma coisa triste, sem dúvida,
mas uma criança que cresce sem amor é uma tragédia – comparável a das meninas e
mulheres que, dia sim, dia não, morrem tentando abortar ilegalmente por esse
Brasil afora. Tucanos e petistas, crentes e ateus, sem teto e playboys: por
respeito à vida, precisamos descriminalizar o aborto.
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