29
de novembro de 2014 | N° 17998
PALAVRA
DE MÉDICO | J.J. CAMARGO
FAZER POR FAZER? MELHOR
NÃO
Os ingênuos podem supor que a alegria que sentimos ao
fazer o que fazemos depende da importância que os outros dão ao que é feito.
Felizmente, não é assim, porque senão, aos que fazem as tarefas chamadas
menores, só restaria a frustrante sensação da insignificância. E com ela, o
sentimento de inferioridade.
Como
o percentual de façanhas extraordinárias é muitíssimo pequeno, parece lógico
concluir que a fonte geradora de alegria pessoal depende mesmo é da qualidade
do que fazemos, seja lá o que façamos.
Quando
se trabalha em equipe, um conceito básico é que as tarefas de execução mais
simples, aquelas que dispensam grande qualificação técnica e para as quais se
consegue habilitação mais rápida, essas nunca poderão ser rotuladas como
secundárias, sob pena de ruir todo o sistema. O exemplo que considero perfeito
desta situação é o da faxineira do bloco cirúrgico. Quem definiria sua
atividade como secundária, se uma infecção, decorrente de má assepsia, pode
empurrar todo o brilhantismo técnico da cirurgia para o ralo da complicação, às
vezes, irreparável?
Aprendi,
em funções de chefia, que a construção de um grupo diferenciado principia com a
valorização da parcela de cada um, não apenas porque o reconhecimento
profissional é um ingrediente indispensável na construção da autoestima
individual, mas, principalmente, porque dele depende a espontaneidade do
comprometimento.
Os
simplificadores atribuem aos baixos salários todo o problema do desempenho
medíocre, mas é um equívoco ignorar que não há estímulo econômico que coloque
encanto no que se faça sem prazer. O mau humor de alguns profissionais bem
remunerados e a tocante entrega afetiva de operários que mal ganham para a
sobrevivência são a prova de que nos alimentamos também de uma energia maior
que nos impulsiona e gratifica. E que, sem ela, nos transformamos em
colecionadores de ressentimentos.
Era
um enterro de uma pessoa querida e fiquei impressionado com o entusiasmo com
que o coveiro rebocava os tijolos para o fechamento do sepulcro. Havia uma
irretocável precisão de gestos quando cortava os fragmentos dos tijolos para
que coubessem no espaço entre as peças maiores e, por fim, a colocação da pasta
de cimento que preenchia todos os vãos, com notável destreza. Cheguei mais
perto para ler o nome no crachá e percebi que o Valdemar adorava o que fazia e
só não assobiava de contentamento em respeito à família que voltara a soluçar à
medida que a colocação da lápide representava a materialização do adeus.
Quando
começou a debandada, senti a necessidade de agradecer ao Valdemar. Naquele “de
nada!” meio sussurrado havia uma dose de surpresa e incompreensão, mas apesar
da vontade de abraçá-lo, não senti ânimo para explicar que vê-lo trabalhar com
tanto gosto tinha sido a única coisa memorável de um dia muito triste. Sem ter
ideia de qual seja o salário de um coveiro, preferi arquivar aquele desempenho
como modelo de adaptação a uma tarefa difícil e até imaginei-o festejando em
segredo: “Vocês podem não entender, mas eu duvido que alguém lacre uma
sepultura como eu!”.
A
propósito disso, lembrei-me de uma passagem extraordinária, que descreve um
diálogo que presumivelmente ocorreu entre Madre Tereza, que cuidava de
leprosos, e um empresário texano. O milionário, vendo-a banhar carinhosamente
um daqueles pobres pacientes, disse: “Irmã, eu não faria este trabalho nem por
um milhão de dólares”. E ela respondeu: “Eu também não, meu filho”.
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