30
de novembro de 2014 | N° 17999
CLÁUDIA
LAITANO
Lembrancinhas
O presente perfeito deveria saltar aos olhos como um
grande pacote vermelho sobre um jardim coberto de neve inconfundível,
inescapável. Todo nosso carinho condensado em um único objeto, que por acaso
custaria exatamente o que podemos pagar e nem um centavo a mais. Nenhuma
hesitação, fila ou mesmo uma data compulsória determinando o dia e o motivo da
entrega. Um presente tão espontâneo e único quanto o afeto que inspirou a vontade
de presentear.
Ao
abrir o presente perfeito, o destinatário seria tomado de surpresa e
incredulidade. Como alguém poderia ter adivinhado que era exatamente aquilo que
povoava seus sonhos? Neste momento, os olhos de quem dá e os olhos de quem
recebe se cruzariam em um breve e intenso instante-presente, cheio de
cumplicidade e reconhecimento mútuo.
Mais
do que agrado protocolar, sinal de gratidão ou simples obediência ao ritual das
datas comemorativas que exigem trocas de gentilezas, o presente perfeito seria
aquele que se dá e se recebe com alegria. Na maior parte das vezes, porém,
escolher presentes é tão prazeroso quanto cumprir um compromisso obrigatório.
Queremos nos livrar da tarefa como de uma reunião de condomínio ou de uma ida
ao supermercado: com eficiência, mas no menor tempo possível.
Compra-se
rápido, talvez, porque descarta-se mais rápido ainda. Adivinhar o que uma
pessoa gostaria de ganhar tornou-se o menor dos problemas hoje em dia. Todo
mundo deseja alguma coisa – ainda que não por muito tempo. Vivemos cercados de
possibilidades de consumo, desejos insatisfeitos e frustrações difusas,
habituados a preencher com objetos diferentes tipos de vazios. Nesse ambiente,
torna-se cada vez mais difícil emprestar a algo que se pode comprar algum tipo de
significado que não seja o de ser consumido e substituído logo em seguida.
Para
transformar uma mera troca de mercadorias em uma verdadeira troca de presentes,
é preciso um pequeno exercício de subversão. Dizer não às compras apressadas,
burocráticas, obrigatórias, cansativas. Mas se for impossível escapar delas,
que cada presente chegue ao destinatário acompanhado de um gesto ou palavra
surpreendente, pessoal, intransferível.
Talvez
nossas tias não estivessem apenas nos enrolando quando diziam, envergonhadas,
com um pacotinho vermelho da Sloper na mão: “É só uma lembrancinha, viu?”.
Porque,
no fim das contas, o presente perfeito, o que vale a pena dar e ganhar, é
aquele que se transforma em lembrança assim que a gente o abre.
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