sábado, 22 de novembro de 2014


22 de novembro de 2014 | N° 17991
CLÁUDIA LAITANO

Lutar, negociar, seduzir

O diretor Mike Nichols, que morreu nesta semana, aos 83 anos, costumava dizer que existem apenas três tipos de cenas: as de luta, as de sedução e as de negociação. “Na dúvida”, acrescentava, “use a sedução”.

Nichols entendia do riscado. Mais conhecido no Brasil por clássicos do cinema como Quem tem Medo de Virginia Woolf? (1966) e A Primeira Noite de um Homem (1967), o diretor fazia parte dos EGOT – a elite de artistas do showbiz americano, vivos ou mortos, que alcançaram a proeza de faturar os quatro principais prêmios da indústria do entretenimento: Emmy (TV), Grammy (Música), Oscar (Cinema) e Tony (Teatro).

As três matrizes dramáticas destacadas por Mike Nichols e suas diferentes possibilidades de combinação (aos pares ou com boas doses dos três elementos ao mesmo tempo) podem ser transportadas, com facilidade, para a não ficção nossa de cada dia. No trabalho, no trânsito, nas relações amorosas ou familiares, gastamos boa parte do tempo brigando, seduzindo ou negociando, conscientes ou não do tipo de embate que estamos travando – como os personagens de um filme com um roteirista amador nem sempre muito coerente ou justo.

Diferentes pessoas se sentirão mais à vontade desempenhando o papel principal em filmes de guerra, comédias românticas ou dramas políticos, mas é difícil atravessar um dia sequer sem sermos chamados a atuar em pelo menos uma cena de cada um dos outros gêneros – ainda que como figurantes.

Esticando um pouco a brincadeira, podemos imaginar que também países ou povos inteiros parecem ter mais vocação natural para a luta, a negociação ou a sedução. Pense em França, Alemanha, Canadá, Argentina, Japão, e o estereótipo que fazemos de cada um desses países tende a se encaixar em um dos três perfis.

Procurando bem, nos filmes de Mike Nichols como na vida real, porém, vamos encontrar muitas cenas em que uma espécie de quarto estado da matéria se apresenta: o embuste. Nesse tipo de cena, um dos lados, ou ambos, burla todas as regras na hora de lutar, negociar ou seduzir – e esse estilo de operação também pode parecer o mais confortável para muitas pessoas e mesmo para boa parte de um país.

Se o engodo é banalizado e a confiança é artigo raro, boa parte das nossas energias é drenada pelo esforço de não ser enganado – ou, então, de aprender a enganar melhor do que o outro. Lutar, negociar e seduzir fica muito mais difícil e muito mais confuso também.


Uma realidade assim poderia inspirar uma comédia pastelão ou um filme político cheio de indignação e fúria, mas a fraude como modo default de funcionamento afeta tantas pessoas e causa tanto sofrimento que talvez se adapte melhor ao roteiro de um drama de guerra ou de um filme catástrofe: ninguém está seguro.

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