ELIO GASPARI
O Enem na rota do escândalo
O
comissariado finge que não vê as fraudes que ocorrem no exame, esse é o caminho
para fabricar uma encrenca
Quando
Paulo Francis denunciou as petrorroubalheiras do tucanato, ganhou um processo. Quando
o senador Tasso Jereissati denunciou as petrorroubalheiras do comissariado, o
assunto foi varrido para baixo do tapete. Agora, diante da captura de 33
pessoas de uma quadrilha mineira que fraudava exames vestibulares e que neste
ano vendeu para 15 ou 20 candidatos os gabaritos da prova do Enem, o Inep,
responsável pela lisura do exame, informou o seguinte: "Qualquer pessoa
que tenha utilizado métodos ilícitos para obter vantagens no Enem será sumariamente
eliminada do exame".
Bingo.
Seria mais divertido se o Inep dissesse o contrário. O problema está na outra
ponta, nos 8,7 milhões de candidatos que se inscrevem para o exame e ficam
sabendo que competem com gente que comprou a prova. O Enem tem uma tradição de
vazamentos. Em 2009 os cadernos do exame foram furtados na gráfica, e o MEC
suspendeu o exame. Em 2010 achou-se um vazamento de questões na Bahia. No ano
seguinte, outro, no Ceará. Neste ano houve denúncias em Teresina e Fortaleza. Além
delas, a Polícia Federal chegou à quadrilha mineira que teria vendido as provas
a 15 pessoas de Mato Grosso. Coisa de profissionais com 20 anos de experiência
e intercâmbio tecnológico com chineses. A turma operava com exames antes da
criação do Enem.
As
provas podem vazar de duas maneiras, pelo furto das questões antes da prova ou
pela transmissão das respostas durante sua realização. Pelo primeiro método o
comprador não corre riscos imediatos. Na fraude eletrônica, arrisca ser
apanhado em flagrante. Desde 2010, quando acontecem os casos de vazamento de
questões, o Inep argumenta que eles foram pontuais. Claro, o segredo do negócio
está na sua pontualidade. A polícia americana levou dez anos para achar, por
acaso, um falsário que imprimia notas de um dólar e as usava, com cuidado, só para
pagar suas modestas despesas.
A
onipotência do MEC diante dos vazamentos do Enem cria nos milhões de jovens que
fazem o exame a sensação de que, se tivessem conhecido a pessoa certa, com a
quantia certa, poderiam comprar a prova. Sabendo-se que a doutora Dilma já prometeu
a realização de dois Enems a cada ano e não cumpriu, a credibilidade do governo
é duvidosa. Nos Estados Unidos os jovens têm sete oportunidades anuais para
fazer esse teste.
Comparar
as fraudes do Enem com as petrorroubalheiras é um exagero do ponto de vista
financeiro, mas, no efeito, o dano é maior. Não só porque atingem diretamente
mais gente, mas porque o governo reage aos problemas de forma ofensiva, fazendo
de conta que ele é da Polícia Federal. (As petrorroubalheiras também eram,
afinal, tudo ia às maravilhas na empresa.) Se Paulo Francis e Tasso Jereissati
tivessem ao menos sido ouvidos, a doutora Dilma não estaria na encrenca em que
está. Ouvidos eles foram, mas achou-se que o caso poderia ser varrido para
baixo do tapete.
AGONIA
Pelo
andar da carruagem, o ministro Teori Zavascki só começará a tocar a lista dos
congressistas enrolados nas roubalheiras da Petrobras em fevereiro, quando a
nova legislatura estiver instalada.
Há dois
sinais nesse sentido. Um, jurídico, baseia-se no fato de que muitos dos
parlamentares não se reelegeram ou não disputaram a eleição. O foro especial do
julgamento no Supremo Tribunal Federal só se aplica a deputados ou senadores no
exercício do mandato.
O
segundo é prosaico. O ministro Teori Zavascki, que está cuidando do caso, fez
uma viagem cerimonial à Argélia. Se a bomba estivesse para explodir, ele não
teria tal tempo livre.
TRIUNVIRATO
Os
ministros da Fazenda (Joaquim Levy), Planejamento (Nelson Barbosa) e o
presidente do Banco Central (Alexandre Tombini) estão sendo apresentados como
um triunvirato que cuidará da política econômica do governo. Tomara que dê certo.
Em Roma houve duas dessas experiências. Só um dos triúnviros, Lépido, conseguiu
sair vivo depois de perderem as disputas em que se meteram. César e Otávio, que
comeram os outros, continuam não acreditando em triunviratos.
CONFISSÃO
O "amigo
Paulinho" disse que repassou R$ 1 milhão ao senador Humberto Costa, líder
do PT na Casa. Se o caso chegar a um tribunal, essa afirmação, sem prova, é insatisfatória.
Em junho, "Paulinho" depôs na CPI da Petrobras. Lá ele disse:
1) Que
não fez nada, nunca soube de nada, e nunca se meteu com políticos.
2) Que
tinha o equivalente a mais de R$ 1 milhão guardados em casa, como reserva para
uma viagem.
O
comissário Humberto Costa achou esse depoimento "satisfatório".
O
ACIDENTAL NA QUEDA DO MURO DE BERLIM
Está
na rede o livro "The Collapse" ("O colapso - A abertura
acidental do Muro de Berlim"), da professora americana Mary Elise Sarotte.
Historiadora, produziu um trabalho na qual há uma lição de História, de técnica
jornalística e uma tese minuciosamente provada: em 1989 o Muro de Berlim caiu
por completo acidente. O mundo comunista ruía, o regime da Alemanha Oriental
entrara em colapso, o país estava tomado por milhões de manifestantes, mas na
noite de 9 de novembro o Muro caiu sem que houvesse qualquer articulação. Foi
uma coisa do povo, pelo povo, para o povo. Como disse uma das jovens que
liderou os protestos, não foi a queda do Muro que deu a liberdade aos
berlinenses, foram os berlinenses, livres, que derrubaram o Muro.
A
espontaneidade do episódio é conhecida, mas Sarotte puxa todas as pontas, numa
narrativa emocionante. O burocrata que anunciou (vagamente) que a passagem
estava aberta não sabia do que estava falando. O guarda que abriu o primeiro
portão fez isso porque ordens desconexas de superiores não lhe deixaram
alternativa. (A outra seria atirar.) Os berlinenses foram para os portões sem
qualquer maquinação.
A
jovem química Angela Merkel saíra de uma sauna, atravessou para o lado
ocidental, visitou uma tia e voltou para casa. O chanceler Helmut Kohl estava
em Varsóvia e, quando um assessor, de Bonn, disse-lhe que os portões estavam
abertos, achou que ele havia bebido. Um dos primeiros jovens a passar para o
outro lado era um dissidente que tentou a sorte.
(A
namorada achou que ele pirara e ficou em casa.) A plataforma da qual o jornalista
Tom Brokaw, da NBC, mostrou ao vivo a dança sobre o Muro, estava lá por pura
coincidência. Uma jovem dissidente que organizara as primeiras manifestações em
Leipzig, fora para a cadeia e estava em Berlim, passou para o outro lado na
primeira noite. Ela nascera em 1968.
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