domingo, 30 de novembro de 2014

ELIO GASPARI

O Enem na rota do escândalo

O comissariado finge que não vê as fraudes que ocorrem no exame, esse é o caminho para fabricar uma encrenca

Quando Paulo Francis denunciou as petrorroubalheiras do tucanato, ganhou um processo. Quando o senador Tasso Jereissati denunciou as petrorroubalheiras do comissariado, o assunto foi varrido para baixo do tapete. Agora, diante da captura de 33 pessoas de uma quadrilha mineira que fraudava exames vestibulares e que neste ano vendeu para 15 ou 20 candidatos os gabaritos da prova do Enem, o Inep, responsável pela lisura do exame, informou o seguinte: "Qualquer pessoa que tenha utilizado métodos ilícitos para obter vantagens no Enem será sumariamente eliminada do exame".

Bingo. Seria mais divertido se o Inep dissesse o contrário. O problema está na outra ponta, nos 8,7 milhões de candidatos que se inscrevem para o exame e ficam sabendo que competem com gente que comprou a prova. O Enem tem uma tradição de vazamentos. Em 2009 os cadernos do exame foram furtados na gráfica, e o MEC suspendeu o exame. Em 2010 achou-se um vazamento de questões na Bahia. No ano seguinte, outro, no Ceará. Neste ano houve denúncias em Teresina e Fortaleza. Além delas, a Polícia Federal chegou à quadrilha mineira que teria vendido as provas a 15 pessoas de Mato Grosso. Coisa de profissionais com 20 anos de experiência e intercâmbio tecnológico com chineses. A turma operava com exames antes da criação do Enem.

As provas podem vazar de duas maneiras, pelo furto das questões antes da prova ou pela transmissão das respostas durante sua realização. Pelo primeiro método o comprador não corre riscos imediatos. Na fraude eletrônica, arrisca ser apanhado em flagrante. Desde 2010, quando acontecem os casos de vazamento de questões, o Inep argumenta que eles foram pontuais. Claro, o segredo do negócio está na sua pontualidade. A polícia americana levou dez anos para achar, por acaso, um falsário que imprimia notas de um dólar e as usava, com cuidado, só para pagar suas modestas despesas.

A onipotência do MEC diante dos vazamentos do Enem cria nos milhões de jovens que fazem o exame a sensação de que, se tivessem conhecido a pessoa certa, com a quantia certa, poderiam comprar a prova. Sabendo-se que a doutora Dilma já prometeu a realização de dois Enems a cada ano e não cumpriu, a credibilidade do governo é duvidosa. Nos Estados Unidos os jovens têm sete oportunidades anuais para fazer esse teste.

Comparar as fraudes do Enem com as petrorroubalheiras é um exagero do ponto de vista financeiro, mas, no efeito, o dano é maior. Não só porque atingem diretamente mais gente, mas porque o governo reage aos problemas de forma ofensiva, fazendo de conta que ele é da Polícia Federal. (As petrorroubalheiras também eram, afinal, tudo ia às maravilhas na empresa.) Se Paulo Francis e Tasso Jereissati tivessem ao menos sido ouvidos, a doutora Dilma não estaria na encrenca em que está. Ouvidos eles foram, mas achou-se que o caso poderia ser varrido para baixo do tapete.

AGONIA

Pelo andar da carruagem, o ministro Teori Zavascki só começará a tocar a lista dos congressistas enrolados nas roubalheiras da Petrobras em fevereiro, quando a nova legislatura estiver instalada.

Há dois sinais nesse sentido. Um, jurídico, baseia-se no fato de que muitos dos parlamentares não se reelegeram ou não disputaram a eleição. O foro especial do julgamento no Supremo Tribunal Federal só se aplica a deputados ou senadores no exercício do mandato.

O segundo é prosaico. O ministro Teori Zavascki, que está cuidando do caso, fez uma viagem cerimonial à Argélia. Se a bomba estivesse para explodir, ele não teria tal tempo livre.

TRIUNVIRATO

Os ministros da Fazenda (Joaquim Levy), Planejamento (Nelson Barbosa) e o presidente do Banco Central (Alexandre Tombini) estão sendo apresentados como um triunvirato que cuidará da política econômica do governo. Tomara que dê certo. Em Roma houve duas dessas experiências. Só um dos triúnviros, Lépido, conseguiu sair vivo depois de perderem as disputas em que se meteram. César e Otávio, que comeram os outros, continuam não acreditando em triunviratos.

CONFISSÃO

O "amigo Paulinho" disse que repassou R$ 1 milhão ao senador Humberto Costa, líder do PT na Casa. Se o caso chegar a um tribunal, essa afirmação, sem prova, é insatisfatória. Em junho, "Paulinho" depôs na CPI da Petrobras. Lá ele disse:

1) Que não fez nada, nunca soube de nada, e nunca se meteu com políticos.

2) Que tinha o equivalente a mais de R$ 1 milhão guardados em casa, como reserva para uma viagem.

O comissário Humberto Costa achou esse depoimento "satisfatório".

O ACIDENTAL NA QUEDA DO MURO DE BERLIM

Está na rede o livro "The Collapse" ("O colapso - A abertura acidental do Muro de Berlim"), da professora americana Mary Elise Sarotte. Historiadora, produziu um trabalho na qual há uma lição de História, de técnica jornalística e uma tese minuciosamente provada: em 1989 o Muro de Berlim caiu por completo acidente. O mundo comunista ruía, o regime da Alemanha Oriental entrara em colapso, o país estava tomado por milhões de manifestantes, mas na noite de 9 de novembro o Muro caiu sem que houvesse qualquer articulação. Foi uma coisa do povo, pelo povo, para o povo. Como disse uma das jovens que liderou os protestos, não foi a queda do Muro que deu a liberdade aos berlinenses, foram os berlinenses, livres, que derrubaram o Muro.

A espontaneidade do episódio é conhecida, mas Sarotte puxa todas as pontas, numa narrativa emocionante. O burocrata que anunciou (vagamente) que a passagem estava aberta não sabia do que estava falando. O guarda que abriu o primeiro portão fez isso porque ordens desconexas de superiores não lhe deixaram alternativa. (A outra seria atirar.) Os berlinenses foram para os portões sem qualquer maquinação.

A jovem química Angela Merkel saíra de uma sauna, atravessou para o lado ocidental, visitou uma tia e voltou para casa. O chanceler Helmut Kohl estava em Varsóvia e, quando um assessor, de Bonn, disse-lhe que os portões estavam abertos, achou que ele havia bebido. Um dos primeiros jovens a passar para o outro lado era um dissidente que tentou a sorte.


(A namorada achou que ele pirara e ficou em casa.) A plataforma da qual o jornalista Tom Brokaw, da NBC, mostrou ao vivo a dança sobre o Muro, estava lá por pura coincidência. Uma jovem dissidente que organizara as primeiras manifestações em Leipzig, fora para a cadeia e estava em Berlim, passou para o outro lado na primeira noite. Ela nascera em 1968.

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