23
de novembro de 2014 | N° 17992
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Jantar com os tios do
interior
É
jantar fora com os pais e os tios que você se sentirá uma criança de novo. Por
mais que seja adulto e independente.
Eles
manterão uma conversa fora do seu alcance, rememorando nomes apagados, mortos,
distantes.
A
parentela italiana não dá mole. Assume a condição de testemunha alimentar da
reconstrução da genealogia familiar, gozará do privilégio de acompanhar a
biografia oral, na íntegra, de seus antepassados.
Mesmo
que tenha avançado uma geração, eles ainda estão uma geração à frente.
A
princípio, participará do entrevero. Experimentará rápida glória social, que
poderia ser resolvida no abraço de chegada. Eles vão perguntar o que anda
fazendo, o desempenho do trabalho, o status de seu relacionamento, para logo se
dispersar aos assuntos que mais interessam: quem morreu, quem adoeceu, quem se
separou, quem está bem de vida, quem faliu, quem mudou de orientação sexual,
quem engravidou. É uma agência de notícias da última metade do século. Os
ouvidos adoecem devagar.
Até
porque tia que é tia do interior fala baixo, enquanto o tio bebe tudo o que não
deve. É um casal infalível: nenhum atrapalha o prazer do outro.
Ainda
estão no aperitivo e você tem a convicção de que assiste a um documentário do
Discovery. Carece de legendas para descansar os olhos. Naquele breve encontro,
ouviu uma cota superior a um mês de trololó com seus amigos.
Como
é difícil se inserir no debate, fica esperando a comida. Olhando para o
infinito de uma televisão ligada e sem som, no fundo do ambiente. Quando se
flagra fazendo leitura labial da novela é que está entediado e seu corpo e espírito
estão definitivamente divorciados. Desapareceu materialmente dali.
A
infância vem à tona. Quer ir embora. Quer dormir. Quer retornar para casa.
Acabou
sua paciência. Precisa ser simpático, agradável, maduro, mas não tem mais como
se comportar. A aparência vai se afundando com aquelas vozes distantes que
parecem sobrevoar seu quarto depois das 23h. Recorda que, quando pequeno,
fechava as pálpebras escutando as gargalhadas dos adultos na sala, os únicos
que tinham o direito de dormir tarde.
Sim,
voltou a ser um menino birrento, apesar da barba cobrindo o rosto. Impossível
concorrer com a idade dos tios e seu apetite interminável de colocar o papo em
dia. Estão recém na década passada e não demonstram o mínimo cansaço ou
intenção de apressar os fatos.
Já
observa o garçom com ternura, já repara quem fecha a conta com inveja, já
começa a puxar a toalha, já começa a brincar com os palitos Gina e o saleiro,
já torce para que ninguém peça a sobremesa, já puxa o braço do pai, já a mãe
intervém e suplica para que tenha modos: “Vamos ouvir o que sua tia está
contando, é importante!”.
Só
falta descer para debaixo da mesa e brincar com os joelhos da família. Entrou
no restaurante com a altivez de homem feito e sairá com alma de cachorro.
Será
sempre a criança daquela família, sonhando com sua cama e arrependido de
aceitar o convite para programa de gente grande.
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