WALCYR
CARRASCO
14/11/2014
23h04
A universidade
burra
Alguém
até pode dar aulas numa faculdade só pela experiência. Mas incomoda quem está
no “esquema”
Falo
por experiência própria: a universidade brasileira é burra. Não me refiro só às
públicas. As particulares também. Sou da área de comunicações e artes, faço
talvez uma ressalva quanto às de exatas. Mas, como são regidas pelas mesmas
regras e pelo enorme contingente de acadêmicos, em sua maioria dedicados a
escrever teses que ninguém lê, arrisco dizer que não há muita diferença.
Tomei
consciência disso há alguns anos, ao ler aqui e ali que este ou aquele escritor
americano fora professor residente numa universidade, com cursos de escrita
criativa. Nem todo escritor americano é best-seller. Muitos autores bons gramam
com tiragens pequenas. Há essa válvula de escape, dentro do sistema
universitário, que atrai profissionais do mercado para compartilhar suas
experiências. Inicialmente, como sempre a gente faz, culpei o governo
brasileiro, cujas leis provavelmente impediriam essa participação. Surpreso,
por meio de conversas com docentes e diretores de universidades, descobri que a
possibilidade existe. Alguém pode dar aulas numa universidade apenas por sua
experiência. Chegaram a tentar, no Rio de Janeiro, com um ator famoso. Mas
ouvi:
–
Essas pessoas não se adaptam ao esquema.
Exato.
Incomodam. O sistema universitário brasileiro é rançoso. As pessoas só ascendem
por meio de trabalhos acadêmicos. Os outros incomodam.
Fiz
jornalismo na Universidade de São Paulo. Trabalhei nos mais importantes
veículos da imprensa escrita deste país. Fui diretor de redação. Jamais fui
convidado para dar um curso, ou workshop, em escolas de jornalismo. Também fiz
carreira na televisão. Sou autor de novelas. Quem me conhece sabe que, graças a
Deus, tenho emprego numa empresa que admiro, a Globo. E que minhas novelas
fizeram sucesso aqui no Brasil e também em muitos países do mundo. Alguém me
chamou para um curso de roteiro?
Óbvio,
não estou procurando emprego.
Me
surpreende esse desinteresse pelo que eu poderia oferecer. Só a própria TV
Globo, por meio de seu programa de contato com as universidades, manifestou
interesse. Dei uma palestra numa faculdade do Rio de Janeiro, particular. Não
houve um minuto em que algum aluno não entrasse ou saísse. Em nenhum momento,
um professor aconselhou a parar com aquele ir e vir. Perdi a concentração.
Anos
depois, um amigo e aluno me convidou para uma palestra em sua classe de teatro,
numa universidade particular de São Paulo. Na sala, percebi que uma aluna
estava com a filha de 4 anos. Primeiro, avisei que, se alguém saísse, não
poderia voltar. Depois, pedi a saída da mãe com a criança, pois a discussão de
algum tema poderia ser inadequada. A professora depois me agradeceu, porque a
criança atrapalhava as aulas, que, em teatro, muitas vezes exigem leituras
despudoradas. Mas não sabia como agir.
Há
um ano, uma grande faculdade particular, que cobra altas mensalidades, me
convidou para dar uma palestra num festival de cinema. Perguntei quanto
pagariam. A resposta foi que não havia verba para isso. Já dei palestras para
alunos de escolas públicas sem pensar em grana. Certa vez, fui a um bairro de
periferia, na divisa de São Paulo, onde o portão de ferro era trancado para
evitar a violência das ruas. Jamais cobraria nada de uma população carente,
desde que tenha agenda. Mas de uma faculdade caríssima? Expliquei: o cachê era
uma questão de respeito. Desistiram de mim.
Agora,
vamos ver: quem são os mestres das grandes escolas de comunicação? Jornalistas
que trabalharam em algum lugar há 20, 30 anos. Roteiristas fora do mercado.
Gente que, reconheço, tem seu valor. Conhecem teoria, têm tempo para estudos
aprofundados. E me desculpem as raríssimas exceções, que não conheço. Mas não
pode ser só isso.
A
universidade se distancia da realidade do mercado de trabalho. Muitos
conhecidos da área e eu sentimos que seria bom compartilhar nossa experiência,
não pela grana, mas para exercer uma função social. Trocar. Formar. Não
pretendo fazer uma tese, mas meu trabalho já não me habilita a dar aulas de
roteiro?
Se
ambicionasse uma cátedra, teria de seguir todos os passos da burocracia
acadêmica. Que, pior, entrega ao mercado gente absolutamente despreparada.
Jornalistas que não escrevem, atores que não representam, roteiristas capazes
de tão somente fazer uma linda tese sobre roteiros, como seus mestres. Os acadêmicos
tremem diante da ideia de seus castelos ruírem. É burrice, deles e do sistema.
Ninguém devia tremer, mas compartilhar.
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