25
de novembro de 2014 | N° 17994
MOISÉS
MENDES
Irmãos
Um
dia depois de perder o irmão, Duca Leindecker respondeu às perguntas repetidas
aos que precisam dizer que, sim, continuam vivos. No sábado, ele disse que a
banda dele e do irmão Luciano, a Cidadão Quem, não existe mais. “O que segue
agora é a música; a banda, não.”
O
que pode seguir em frente depois da morte de um irmão que é seu grande
parceiro, mesmo quando existe a arte? O irmão de Mingo, do conto de Eduardo
Galeano, por exemplo, recebeu a missão de ir embora de onde morava. Deveria
viver, perto do mar, tudo o que o irmão morto não vivera.
Li
que Luciano era um cara sempre alegre, que sabia que poderia morrer a qualquer
momento, mas continuava divertido. Meu irmão também era assim. Como o Mingo do
conto de Galeano, meu irmão morreu num acidente. Moacir tinha 31 anos, um a
menos do que eu. Era tão divertido o meu irmão, que eu me constrangia de tentar
acompanhá-lo nas palhaçadas da infância e da adolescência. Não havia nem como
tentar imitar seu talento para divertir.
Adulto,
continuou palhaço. Quando ele morreu, me agarrei a um consolo. Como ele foi na
frente, e sempre andava na frente, não temo mais nada que possa existir depois
da morte.
No sábado
à noite, pensando na frase de Duca sobre Luciano, peguei a estrada e fui a Novo
Hamburgo ver Hique Gomez no Tãn Tãngo, no Teatro Feevale. Era a gravação do DVD
do show, dirigida pelo Aloisio Rocha.
Ao
final do espetáculo, nem pensei no que andam dizendo sobre a banalização dos
aplausos em pé. Quando me dei conta, eu e mil pessoas havíamos levantado. Algo poderoso
nos impulsionou para cima.
Ainda
não tinha assistido a Tãn Tãngo, era um retardatário. É uma das coisas mais
bonitas que vi no século 21. Piazzolla, Hugo Díaz, Santaolalla, Bajofondo,
todos circulam por ali. Hique é sutil no virtuosismo como músico e faz humor na
medida. Mistura a Tropicália de Caetano com a Buenos Aires Hora Cero de
Piazzolla. Pega os Beatles e transforma Eleanor Rigby em tango.
Crianças
do coral do Instituto de Educação Ivoti arrepiam a gente na canção dedicada à Legalidade.
E como é bela a trilha (com as imagens do filme) de A Festa de Margarete, de
Renato Falcão.
Tem
o bandoneon encantado do uruguaio Carlitos Magallanes, tem Filipe Lua, o cara
que toca tudo (aquela gaita de boca!), Dunia Elias no piano e nos teclados,
Everson Vargas no contrabaixo, as participações especiais de Liane Schuler (harpa)
e Camila Sprandel (vocal) e os bailarinos Valentin Cruz e Marlise Machado.
Quando
o violino de Hique chorou, na homenagem a Guedali, o centauro de Moacyr Scliar,
também dei uma choradinha.
Todos
merecem ser citados. O Claudio Ramires, da direção de arte, a Heloiza Averbuck,
que ilumina, o meu amigo Rique Barbo, que comanda a técnica de projeção das
imagens, e a Marilourdes Franarin, que produz.
Hique
dedica o show a Nico Nicolaiewsky, o parceiro de 30 anos de Tangos & Tragédias.
É também
por isso que Tãn Tãngo nos comove. Porque Hique é um sobrevivente da morte de
um irmão de arte.
O
que se vê é o vigor de um cara que a tragédia partira ao meio e que foi salvo
pelo palco.
Sem
Nico, não há mais Tangos & Tragédias. Mas há como levar adiante o espetáculo
que já existia antes da morte do parceiro e que se revitalizou sob a inspiração
da memória de Nico.
A última
imagem no telão mostra um Nico sorridente. Tãn Tãngo é a arte que segue e nos
mantém vivos. E que arte.
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