29
de novembro de 2014 | N° 17998
CLÁUDIA
LAITANO
Cápsula do
tempo
Quem
tem filhos adultos, ou já se encaminhando para a vida adulta, experimenta de
vez em quando uma curiosa espécie de “saudade na presença”: uma leve melancolia
causada pela irrevogável separação de todas as etapas que já ficaram para trás.
Seu
filho pode nunca ter permanecido muito tempo longe dos seus olhos, mas cada
fase vencida transforma-se imediatamente em nostalgia, mesmo as mais
trabalhosas. Se com relação às outras pessoas sentimos uma enganosa percepção
de continuidade no tempo, por mais longa e próxima que seja a convivência, com
relação aos nossos filhos há sempre a sensação de que nos despedimos de alguém
no meio do caminho, sem perceber ou dar à devida solenidade à despedida.
O
bebê que mal enxergava em volta e o que começou a andar, a criança que foi para
a escola pela primeira vez e a que fugia para a sua cama nas noites de inverno
– é como se cada uma delas fosse um indivíduo diferente, da qual, se pudéssemos
escolher, não teríamos jamais nos separado.
Tiramos
um milhão de fotos, gravamos um milhão de vídeos, guardamos desenhos rabiscados
e brinquedos favoritos, mas o que gostaríamos mesmo era poder abraçá-los todos
– do filho recém-nascido que embalamos na maternidade ao que beijamos na testa
ontem mesmo – pelo menos uma vez por ano. Seria o melhor Dia das Mães e Pais já
inventado.
O
filme Boyhood, que estreou em Porto Alegre nesta semana, explora essa fantasia
de congelar no tempo a própria passagem do tempo – ali onde ela é
particularmente visível, a transformação de uma criança em um jovem adulto.
Rodado ao longo de 12 anos, algumas cenas a cada ano, o filme acompanha o
crescimento de um menino dos seis aos 18. Numa cena, ele é um garotinho
bochechudo que apronta na escola e implica com a irmã mais velha.
Pouco
depois, magro e alto, já está se despedindo da mãe e indo morar longe. O que
acontece entre um momento e outro não tem nada de excepcional além da própria
forma como o filme é narrado, que nos aproxima do personagem principal como se
realmente tivéssemos visto o garoto crescer diante dos nossos olhos durante as
duas horas que dura o filme.
O
diretor Richard Linklater é um dos mais hábeis do cinema atual na arte de
retratar o espírito da época através de histórias que não são especialmente
épicas, trágicas ou fora do comum. Como em Antes da Meia-Noite, o último filme
da trilogia “Antes”, Linklater parece fascinado com as marcas que a passagem do
tempo deixa não apenas na aparência das pessoas, mas no que elas sentem e
pensam, inclusive sobre si próprias. Boyhood fixa nossa atenção no menino e em
tudo que nele vai mudando física e psicologicamente, mas o fato é que seus pais
e todos em volta vão se transformando também, ainda que não de forma tão
evidente como acontece com as crianças.
Como
o protagonista do filme, estamos sempre deixando um pouco de nós para trás – e
isso é triste e belo ao mesmo tempo. Como este pequeno grande filme.
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