sábado, 15 de novembro de 2014


15 de novembro de 2014 | N° 17984
ARTIGO - Thiago de Moraes Gonzaga

ÓRFÃO DE FILHO

Um dia, li o depoimento angustiado de um pai que perdera seu filho estupidamente num acidente. A exemplo de outros milhares de pais brasileiros, me comovi com o desabafo sem poder imaginar que também experimentaria a dor exasperante da morte de um filho. Meu bem-humorado e irresistivelmente amoroso Thiago se foi, com apenas 18 anos, numa madrugada gélida de Porto Alegre. Eram três rapazes, o carro bateu num contêiner de entulho colocado irregularmente, sem qualquer sinalização.

O desaparecimento de um filho equivale a ficarmos aleijados, a perdermos para sempre uma parte do corpo, do coração, da alegria de viver. Porém, mesmo nos dias de maior sofrimento, nos quais cada objeto ou recanto da casa evocam a presença do Thiago, não aceito a ideia de destino, de fatalidade, através da qual a sociedade brasileira isenta-se covardemente da carnificina de nosso trânsito. Essa mesma sociedade, que ainda reage com indignação a assaltos e sequestros, fica anestesiada perante a guerra que é travada diariamente nas ruas e estradas.

Um horror provocado pela condescendência geral: autoridades que pouco fiscalizam; políticos para quem o assunto não rende votos; pais que entregam, criminosamente, seus carros a jovens sem habilitação. Até mesmo os educadores, que pelo seu poder de persuasão poderiam assumir uma posição frente à grande tragédia brasileira deste início de século, muitas vezes silenciam como se os 50 mil mortos por ano e as centenas de milhares de feridos e mutilados não passassem de uma fantasmagórica estatística.

Por não admitir que o sangue de jovens como Thiago seja derramado em vão, é que tenho falado a todos que podem deter esta guerra absurda. Nada disso, é claro, restituirá a vida de meu filho. Ele estudava no cursinho onde sou professor. Em cada sala de aula que entro, o revejo e o tenho um pouco de volta. Em compensação, o Thiago viverá sempre jovem e belo na minha memória, nunca envelhecerá.

Olhando para os meus alunos, que têm diante de si o ciclo natural da existência, eu sei que devo dizer não à força da morte, que é preciso clamar pela vida. Urgentemente!


Presidente do Conselho Deliberativo da Fundação Thiago de Moraes Gonzaga

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