14
de novembro de 2014 | N° 17983
VERSOS
DE MENINO
O fazedor de poemas se
despede
MANOEL
DE BARROS, um dos poetas mais populares o Brasil, morreu ontem, aos 97 anos
Um
dos principais poetas brasileiros e autor de frases lapidares como As coisas
que não existem são as mais bonitas, Manoel de Barros morreu ontem, aos 97
anos, em Campo Grande (MS). Ele estava internado há duas semanas no Proncor,
período em que passou por uma cirurgia no intestino.
Natural
de Cuiabá, o poeta garantia ter vivido uma nova ascensão para a infância. Um
estado de espírito tão forte que, em 2003, ele estreou na prosa justamente com
um livro em que iniciava a trilogia sobre sua vida. E, como se tratava de
Manoel de Barros, não era um retrato fiel, mas um relato puramente
personalizado. Assim, depois de Memórias Inventadas – A Infância, ele lançou
Memórias Inventadas – A Segunda Infância.
O
tempo, para o poeta, não seguia sua ordem cronológica. O que seria o livro da
mocidade transformou-se em segunda infância que é, convém explicar aos
desavisados, a forma como o poeta tratava de sua maturidade. Os textos,
acompanhados das iluminuras de sua filha, Martha Barros, percorrem temas vitais
da existência, como a descoberta do amor, do sexo e até do comunismo. Falam das
peladas de barranco do Dona Emília Futebol Clube e até da indiana da pensão na
Rua do Catete – ela, 25 anos (ele, 15), deixava a porta do banheiro meio aberta
e isso “abatia” o poeta.
A
linguagem continuava artesanalmente construída, sem se ater a convenções
gramaticais ou sociais, mas sempre em busca da simplicidade. “Porque me
abasteço na infância e minha palavra é Bem- de-Raiz e bebe na fonte do ser”,
escreveu Barros.
O
primeiro livro, no entanto, não foi de poesia, mas também não existe mais. A
história de seu sumiço merecia um romance: aos 18 anos, quando vivia no Rio de
Janeiro, onde frequentava as reuniões da Juventude Comunista, Manoel pichou as palavras
“Viva o comunismo” em uma estátua. Quando foi procurado pela polícia na pensão
onde morava, o futuro poeta não foi preso por conta da intervenção da dona do
estabelecimento, alegando ser ele um bom menino e também escritor, autor de
Nossa Senhora de Minha Escuridão. Sensibilizado, o chefe da operação decidiu
não prender Manoel, mas também resolveu ficar com o exemplar do livro.
RECONHECIMENTO
VEIO SÓ NA DÉCADA DE 1980
O
primeiro poema nasceu quando Barros estava com 19 anos, e a estreia literária
de fato aconteceu com Poemas Concebidos sem Pecado (1937), feito artesanalmente
por amigos numa tiragem de 20 exemplares mais um, que ficou com ele. O livro
garantiu sua inserção entre os modernistas. Na década de 1960, voltou para
Campo Grande, onde passou a viver como criador de gado, sem nunca deixar de
trabalhar incansavelmente em seus versos. Longe dos grandes centros, demorou a
ser reconhecido como poeta maior, mesmo publicando diversos livros.
Foi
somente na década de 1980, ao ser elogiado por Millôr Fernandes, que Manoel de
Barros tornou- se conhecido no eixo Rio-São Paulo. Em 1987, ganhou o prêmio
Jabuti por O Guardador de Águas. E, em 2002, O Fazedor de Amanhecer, livro
infantojuvenil do poeta, foi eleito a melhor obra de ficção do ano anterior.
–
Como todo velho, sou uma criança nova e, com a memória mais aguda, relembro
todos os bons momentos que vivi como menino. Enxergo o mundo agora de maneira
mais inocente – justificava o poeta.
Leitor
dos sermões do padre Vieira, hábito que o ensinou, ainda jovem, a admirar a
formação e a utilização das palavras, Manoel de Barros mantinha, enquanto a
saúde permitia, o mesmo ritmo de trabalho: todos os dias, às 7h, dirigia- se ao
andar superior de sua casa, onde se encontra o que chamava de “escritório de ser
inútil”.
–
Lá, fico horas consultando dicionários etimológicos, descobrindo a origem das
palavras, buscando motivação – afirmou ao jornal Estado de S. Paulo, em 2002. –
Garanto que é uma viagem melhor que qualquer outra de avião.
Estimulado,
ele combinava suas descobertas, entortando-as.
–
Para não cansar, a linguagem não pode ser comum, tradicional, senão cansa. É
preciso entortá-la um pouco – explicava.
Para
Manoel de Barros, o esforço sempre era necessário, pois não acreditava em
inspiração.
– Trabalho
com a palavra e, ao buscá-la, sou encaminhado por ela, que se desdobra e aponta
caminhos.
3
livros essenciais,por Carlos André Moreira
POESIA
COMPLETA
Quem
quiser mergulhar de uma vez na obra de Manoel de Barros tem a possibilidade de
enfrentar esta edição lançada em 2010 e que compila os 17 livros de poesia e os
quatro títulos infantis publicados pelo autor. Do início da carreira, de Poemas
Concebidos sem Pecado (1937) ao até então mais recente e inédito, Menino do
Mato. É uma oportunidade de conhecer Manoel de Barros para além do Pantanal.
O
livro das ignorãças
Publicado
em 1993, já em um estágio avançado da carreira do poeta, tornou-se um de seus
livros mais conhecidos e, assim, uma das obras responsáveis pela popularidade
de Manoel de Barros. É também uma espécie de súmula dos temas mais comuns da
obra do poeta: a infância como uma paisagem mística; o olhar infantil como
origem de um maravilhamento de sensações ao ver o mundo.
Menino
do mato
Um
dos últimos livros de Manoel de Barros, publicado em 2010. Serve como um
contraponto para mostrar o quanto Barros permaneceu arraigado ao mundo pessoal
que retratava em sua poesia. Nesta obra, dividida em duas partes, outra vez o
olhar do poeta se dirige para o espaço idealizado da infância, com versos que
não se envergonham de cavoucar a emoção mais do que a metafísica.
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