19
de novembro de 2014 | N° 17988
MARTHA
MEDEIROS
Por que gosto de teatro
Assisti
ao Bruno Mazzeo no espetáculo Sexo, Drogas e Rock’n’roll, um título com aroma
de naftalina, porém não há nada de antigo na peça – a não ser o saudoso
politicamente incorreto, que caiu em desuso e, de tão patrulhado, só se
encontra no mercado negro.
Pois,
então, eu estava no teatro e pensava nisso, em como são poucos os espaços hoje
para se permitir uma liberdade gaiata sem temer críticas, perseguições, acusações.
Acho que gosto de teatro por isso: porque ele não é impresso, gravado, postado,
tuitado, não produz provas contra si mesmo.
É exibido
em um determinado tempo e espaço apenas para um seleto grupo que não tem em mãos
controles remotos, telefones, nada que interfira na cena – a plateia fica
rendida e concentrada em absorver o que escuta e enxerga, ciente de que, ao
cerrar das cortinas, tudo se evaporará. O que foi visto ficará sem registro
palpável. Teatro é uma ilusão: tudo é possível, tudo acontece, mas sobrevive só
o que você permitir que sobreviva – dentro de você.
Cinema
tem um pouco disso, mas é possível rever o filme na tevê ou no YouTube, ou comprar
uma cópia para ter em casa, então ele se torna palpável, ganha longevidade. É analisado,
estudado, decifrado, editado, e como tudo que permanece, tem um destino cruel: envelhece
– a não ser que tenha nascido para clássico.
Teatro
não envelhece, foi apenas um sonho bom. Ou um sonho ruim. É volátil, uma conexão
temporária, sem amarras. É uma relação aberta, uma ficada, desperta paixões
momentâneas, te faz rir, chorar, te pega pela mão e te leva para um lugar
desconhecido, parece tão real, e de repente você acorda e vê que não. Real foi
o que você sentiu, apenas. Você volta para casa e pode contar para os outros o
que aconteceu, mas não pode mostrar.
Então,
estava eu lá no teatro rindo das situações apresentadas no palco e ao mesmo
tempo pensando sobre elas, mergulhada naqueles 60 minutos em que estava sendo
homenageada por uma alegoria ao vivo, e que se dissolveria – dissolução que
outra espectadora não aceitava, ela não parava de fotografar e assim tentava
capturar o sonho, prendê-lo como a um pássaro em uma gaiola da Apple, da
Samsung, desvirtuando a mágica. Ela não entendia nada de teatro, claro. No
teatro, quem tem que ser capturado somos nós.
E,
uma vez capturados, sermos despidos dos nossos preconceitos, das nossas
defesas, da nossa censura e do nosso desejo infantil de que tenham tato conosco
– tato é muito bom nas relações cotidianas, mas teatro não é lugar para
diplomacia. O teatro tem licença para provocar, irritar, constranger, iluminar,
elevar, surpreender, encantar, desencantar. Podemos não gostar da peça, mas há que
se reconhecer o respeito que tiveram conosco ao nos tratarem sem condescendência.
O teatro confia nos sonhadores.
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