09
de novembro de 2014 | N° 17978
ROBERTO
DA MATTA
Ganhar &
perder
“Se
busco justificativa para a vitóia; estou diante do enorme espelho da derrota
–essa cunhada da frustraçã e da inseguranç. Diante de racionalizaçõs
repressoras que culpam os outros, vejo-me obrigado a topar com a realidade”.
A mensagem
continua:
“Tem
sido assim, meu amigo, com todas as minhas perdas. O coraçã fica apertado, a
pressã arterial sobe, as mãs tremem e da boca aberta pelo susto e pela
inseguranç saem palavras impublicáeis. Indignas de serem ouvidas”.
Abandono
a leitura da mensagem para refletir sobre o resultado eleitoral.
É
claro que há teatro numa disputa eleitoral; éobvio que háuma espetacularizaçã
da políica, mas políica nã écirco ou peça teatral. Ademais, uma eleição fala de
propostas gerais, mas ela éum drama personalizado por candidatos. De gente como
nós que, em geral, riem e choram como ocorre conosco. Não é fácil perder uma
disputa tão personalizada.
O
mesmo ocorre nos jogos coletivos, como o futebol, que promove culpabilidades
absurdas. Mas, quando se trata de uma modalidade individual –digamos de uma
luta de boxe, ou de uma prova de natação – o atleta torna- -se maior do que si
prório. Ele é um ser humano e, ao mesmo tempo, é o nosso paí. Quando perde,
todo o seu ser é envolvido. Do mesmo modo que, numa eleiçã, a onipotêcia do
ganhador é inflacionada.
Volto
a ler a mensagem recebida no domingo eleitoral:
“Esperança
é vitóia em potencial jáque sobreviver é vencer. Já a perda leva à paralisia. É
como bater de frente num muro. Quando ganhamos, andamos com mais determinaçã;
jáa derrota obriga a uma parada. De repente, o sorvete sumiu; o relóio foi
roubado; uma perna foi quebrada. Daqui por diante, vou ter que viver com a
perda”.
Volto
a pensar na vitóia do PT. E, como sou um democrata, estou tomando meu reméio,
que consiste em escrever.
O
maior aprendizado da democracia é aprender a perder. Vitória e derrota são as
duas faces de uma mesma moeda. Num sistema igualitário, a vitória tem que ser
admitida sem ressentimentos. Numa competição presidencial não há,
diferentemente do mercado, lugar para muitos. Só o vencedor ocupa o papel
porque, nas democracias, são os papéis políticos que estão em jogo, não as
pessoas. Embora, conforme sabemos, as pessoas sejam importantes. Devemos honrar
as nossas vitórias e abraçar as nossas derrotas. Sem elas, não saberíamos o que
é dormir pensando no que poderíamos ter feito, mas não fizemos; e acordar para
construir outros caminhos.
Quando
eu era menino, eu chorava quando meu time perdia. Hoje sou um frustrado
eleitoral. Assim que soube da vitória da presidente Dilma, pensei no poder da
realidade. Esse real que não é um cão fiel à nossa vontade. Esse real que
muitas vezes parece estar contra nós. Thomas Mann dizia: a realidade é
desapaixonada exatamente na sua qualidade de realidade. Somos apaixonados, mas
o mundo não nos segue; ou melhor: ele nem sempre concorda em ficar sincronizado
com os nossos desejos.
Justo
quando o meu candidato perde a eleição para presidente da presidenta, recebo
uma mensagem do meu amigo, o professor e grande brasilianista, Richard
Moneygrand, falando o que transcrevi acima sobre perder e ganhar: essa
oscilação duríssima que faz parte da vida.
Eu
sou puxado pela política; meu amigo, porém, escreve motivado por seu último
divórcio. Dick é um veterano em divórcios, mas esse foi o mais desgastante. A
ex-esposa, a linda Baby Braz, levou-lhe dinheiro e uma mansão comprada duas
vezes. E para culminar decepções, Moneygrand flagrou-a num hotel de Chicago com
seu amante – uma jovem e brilhante professora de literatura russa.
Moneygrand
tem uma enorme consciência de que estamos aqui em parte como bonecos sem rumo e
em parte como atores sem papéis, mas a constatação do adultério com a
cumplicidade de grande parte daqueles que confiava e que viviam na sua própria
casa e no lado nordeste e norte do seu bairro foi desoladora. “Fui traío pelos
meus irmãs”, repetiu na sua triste missiva.
“Nada
pode ser mais cruel do que ver a mulher amada nos braçs de um amante feminino.
Sobretudo quando se estava convencido que ela seria menos ingêua. Mas quem éque
manda no coraçã? E como entender sem máoa que as pessoas tê opiniõs e tomam
partido? Por acaso, vocêtambé nã éassim?”
A
linda Baby Braz traiu-o com uma mulher. “Mas, conforme descobri –conforta-se
Moneygrand no final da mensagem – soube que ela atraiça todos os seus amores.
Sobretudo os mais apaixonados. Muitas, muitas vezes.”
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