12
de novembro de 2014 | N° 17981
PEDRO
GONZAGA
BOM FIM
Nasci
no Bom Fim. Principalmente vivo no Bom Fim. Como a Itabira de Drummond, meu
bairro é feito de coisas que existem por fora, mas que se impregnam a ponto de
levá-las também por dentro: os comércios da Osvaldo Aranha (e a eterna disputa
entre as lojas de móveis e de roupas), as infinitas palmeiras e suas palmas
secas sobre os canteiros, o saibro cegante da Redenção (estranha forma de praia
que deságua ao pé dos automóveis), a memória das salas do antigo Baltimore para
sempre mergulhadas na penumbra.
Há muito
me parece que não há uma cidade nas grandes cidades, mas apenas bairros, repúblicas
confederadas do tamanho de um Vaticano. Porto Alegre é só um rio fantasioso, um
modo de falar, um locativo na carteira de identidade. O que existe não são a Cidade
Baixa, o Menino Deus, o Centro, a Restinga, o Moinhos de Vento? A despeito do
esforço das empreiteiras em erguer medonhas caixas de concreto e alumínio e aço
e vidro, os bairros seguem sendo únicos: Petrópolis, Assunção, Ipanema.
Pelas
ruas do Bom Fim, caminho sem pressa, venço os restaurantes a quilo, bebo um
suco na Lancheria do Parque, em sua mescla cosmopolita de obreiros e punks,
velhos judeus e estudantes descolados.
Depois
chego à Palavraria, cumprimento o Carlos e a Carla por manterem aberta uma das últimas
livrarias de rua da cidade. Sento à mesa, peço um café, escrevo versos. Alguns
deles talvez digam algo parecido com o que aqui escrevo. Nunca seremos
originais.
Em O
Mapa, Mario Quintana sonhava com uma morte que o convertesse em folha levada
pelo vento da madrugada porto-alegrense. Quanto a mim, flutuaria de bom grado
pela Cauduro, até topar com os dramas juvenis dos alunos da Escola Anne Frank.
Dizem
que não devemos criar raízes, que apegar-se ao solo é coisa provinciana. Não
deixa de ser engraçado, contudo, que não se faça tal censura aos que vivem no
Trastevere, em Montmartre, em Palermo, no Upper East Side.
Acordemos
o seguinte: deixemo-nos em paz. É hora de cruzar as sinagogas do bairro em direção
à sorveteria Cronk’s. Lá estará o Seu Bernardo para responder ao meu aceno,
enquanto o sol incide perfeito, na outra calçada, sobre as maçãs sangrentas da
quitanda do Paulão.
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