sábado, 8 de novembro de 2014


08 de novembro de 2014 | N° 17977
EDITORIAL ZH

NA CONTRAMÃO DA MOBILIDADE

O país precisa dar uma guinada no modelo que incentiva mais o transporte individual do que o coletivo, para garantir mais qualidade nos deslocamentos dos brasileiros.

As manifestações de rua de junho do ano passado não se justificaram apenas pelos R$ 0,20 nem pelo fato de os brasileiros se sentirem mal representados pelos políticos. E, embora tenham impactado de alguma forma as últimas eleições, pouco mudou desde então no cotidiano dos moradores de grandes centros urbanos sob o ponto de vista da mobilidade.

Por razões históricas, difíceis de serem alteradas de um momento para outro sem pressão popular, transporte público de qualidade continua tendo muito menos incentivo do que veículos particulares. Sinal de que gestores públicos e legisladores, de maneira geral, ainda estão longe de representar de fato as pretensões da maioria. E o recado das ruas parece ser o de que é preciso reconhecer a importância do carro num país com as peculiaridades do Brasil, mas sem privilegiá-lo em relação ao transporte coletivo.

A cada dia, nada menos de 40 milhões de brasileiros se deslocam de ônibus por todo o país – o equivalente a toda a população da Argentina. O número não é ainda maior porque, de 1995 até o ano passado, 18 milhões de pessoas deixaram de circular de ônibus. Uma das razões ressaltadas em uma recente série de reportagens do jornal O Globo é que o país aplica quase o dobro em subsídios ao uso do carro do que em transporte coletivo.

Desde a estabilização econômica, por exemplo, as tarifas de transporte coletivo aumentaram 685%. No mesmo período de duas décadas, o preço do carro subiu 158%, menos da metade da inflação média no país. Outros incentivos, como a redução de impostos, além de facilidades de financiamento, tornam o transporte individual proporcionalmente mais vantajoso do que o coletivo.

Obviamente, o país não tem como desestimular, de um momento para outro, uma atividade que responde por uma parcela expressiva da produção industrial, com um elevado efeito gerador de emprego e renda. Até porque a proporção de carros em relação à população no Brasil ainda é baixa: há dois veículos para cada 10 habitantes, quando na Alemanha, por exemplo, a relação é de seis para 10.


O país precisa dar uma guinada no modelo que incentiva mais o transporte individual do que o coletivo, para garantir mais qualidade nos deslocamentos dos brasileiros no cotidiano. Os modelos precisam conviver de forma harmônica, assegurando infraestrutura para quem opta por circular de carro e opções de qualidade para os usuários de transporte coletivo.

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