04 de novembro de 2014 |
N° 17973
DAVID COIMBRA
VELHOS TEMPOS, VELHOS
GRE-NAIS
Domingo amanheceu nevando aqui,
na Nova Inglaterra. Durante três ou quatro horas caíram flocos brancos do
tamanho de uma moeda de um real. Não chegaram a se acumular no chão porque
vinham junto com a chuva. Meu filho adorou, correu para a janela, gritava de
excitação. Foi sua primeira neve. Mas fiquei um pouco apreensivo. Estamos
apenas no outono, afinal. Com que tipo de frio nos aguarda o inverno?
Já estive aqui em janeiro, peguei
14 abaixo de zero e tanta neve acima do solo que taparia o Dudu, do Grêmio.
Pode ser muito bonito, mas não é nada agradável.
Tentei enfrentar aquele frio
bostoniano com as roupas do inverno gaúcho. Impossível. Um poncho vira um
lenço, blusões de lã são como regatas. Tive de comprar umas roupas de
esquiador, meias da espessura de um dedo, ceroulas sob a calça jeans, botas
forradas, jaqueta dupla e, claro, touca e luva impermeáveis. Você sabia que,
sob frio intenso, o nariz e as orelhas podem congelar e quebrar? Não quero que
meu nariz quebre. Definitivamente.
Tenho a impressão de que os
invernos gaúchos eram mais frios e que os Gre-Nais eram mais quentes nos anos
70, mas suspeito que sejam truques da nostalgia. Lembro que, à noite, antes de
dormir, gostávamos de colocar um pires com água na rua. De manhã, íamos ver e
havia uma fina camada de gelo na superfície do pires. Isso aconteceria em algum
julho violento da Porto Alegre do século 21? Creio que não.
E aqueles Gre-Nais que
assistíamos de pulôver e japona? Iúra dando voadora em Falcão, Falcão mostrando
a bola para Iúra. Tadeu Ricci cobrando falta com a categoria de quem ensinou
Zico a botar a bola no ângulo. Valdomiro voando pela ponta. Talvez aqueles
jogos fossem mais disputados porque os jogadores ficavam mais tempo nos clubes,
envolviam-se mais com os torcedores, sentiam mais a tragédia de uma derrota e a
glória de uma vitória.
Naquele famoso Gre-Nal dos 3 a 1
de Zequinha, em 75, Ancheta ficou tão contente com a vitória que, depois do
jogo, foi para a casa de tango Mano a Mano e atravessou a madrugada cantando e
bebendo, até de manhã. Num outro clássico, o zagueirão Bibiano Pontes marcou um
gol contra e, no fim do jogo, marcou um gol a favor, empatando a partida.
Tomou-se de tanta emoção que desmaiou em campo.
Outros tempos.
Os torcedores faziam apostas.
Havia uma recorrente: os torcedores do time perdedor puxariam uma carroça
carregando os do time vencedor. Sempre saía foto dessa carroça na Zero Hora de
segunda.
Uma vez o meu amigo Diana, um dos
maiores gremistas que conheci, apostou que comeria grama, se o Inter fosse campeão.
Uma temeridade, já que estávamos nos anos 70. Pois o Diana comeu grama mesmo,
um tufo generoso da ponta esquerda do campo do Alim Pedro, bem ali de onde, num
domingo, o Amilton Cavalo fez um gol sem querer no Raimundão, gol do qual ele
até hoje se gaba.
O Raimundão aos 16 anos já tinha
dois metros de altura. Aos 17 já tinha bigode. Aos 18, levava uma capanga para
o jogo. Dentro da capanga, um trezoitão. Antes do jogo começar ele alisava ao
trezoitão à vista dos adversários. Acomodava o trezoitão na capanga. Levava a
capanga para o fundo da rede. Voltava para debaixo do travessão. Olhava para os
adversários, que o observavam em silêncio.
– Vou ganhar esse jogo – avisava.
Ganhava. Outros tempos.
O Inter tem mais jogadores com
tradição em Gre-Nal e que conhecem as dores da derrota e as delícias da
vitória: D’Alessandro, Nilmar e Alex. Esses três, com Aránguiz, dão ao time uma
qualidade que o Grêmio não tem. O Grêmio depende da astúcia de Felipão. E do
empenho extra de seus jogadores.
O Inter é favorito.
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