04 de novembro de 2014 | N° 17973
LUÍS AUGUSTO FISCHER
ALDEIAS EM METRÓPOLES
Amigos que vivem em São Paulo, Rio de Janeiro e Buenos Aires
já tinham me contado e defendido uma ideia, uma percepção, um fato, que só
agora, vivendo numa metrópole europeia, me parece realmente claro: quem vive
numa megacidade a rigor vive numa aldeia, cercada de outras aldeias.
Bem, vamos modular um pouco. Estamos falando de gente das
classes confortáveis, como o prezado leitor e eu. Gente com saldo no banco,
emprego razoável, aspecto palatável para os padrões dominantes. (No belo romance
Americanah, de Chimamanda Adichie, é citado um critério para detectar a
existência de racismo, que evoco aqui: está integrado sem problemas o sujeito
que, quando lê que determinado produto é “cor da pele”, não sente qualquer
desconforto, não se sente diminuído, não estranha.)
Deve haver algum padrão econométrico para isto: a partir de
certo volume de gente, digamos 2 milhões, a cidade, ao mesmo tempo que cria
problemas ambientais e administrativos em escala ampla, se subdivide
espontaneamente, transformando cada vizinhança num bairro, cada bairro numa
aldeia, com tudo que é preciso, de forma que o sujeito ali vive, consome e se
diverte, até trabalha por ali mesmo.
O outro lado é mais sutil: em cidades apenas-grandes, como
Porto Alegre e Montevidéu, Curitiba e Belo Horizonte, as pessoas (as mesmas, as
integradas, já disse) se sentem pertencendo à cidade como um todo, ao conjunto
da cidade. Se sentem responsáveis pelo destino geral da cidade, querem saber
dela em conjunto, falam dela como uma unidade. E se deslocam por toda a cidade,
o que os faz sentirem-se de algum modo do tamanho dela.
Não é assim na metrópole, em que se perde esse sentido de
conjunto. Na metrópole, o cara se restringe à sua aldeia, ao entorno imediato,
e o destino geral fica numa altura remota como as ideias de “país” ou
“continente”. Ninguém mora em São Paulo, no Rio ou em Paris – o cara mora na
Vila Mariana, em Botafogo, no 15ème.
Talvez as próximas gerações em Porto Alegre
passem a viver nesse padrão aldeia-metrópole. Sei lá.
Nenhum comentário:
Postar um comentário