03 de novembro de 2014 | N° 17972
LUIS FERNANDO VERISSIMO
O
que aconteceu?
Estive fora do país. Aconteceu alguma coisa na minha
ausência? É difícil dizer pela cara das pessoas. Estão todas com um ar
estranho. Com algumas você fala e elas rosnam, outras só riem. O que foi que
aconteceu, gente?
Me sinto um pouco como alguém que chega num lugar depois de
uma festa – ou de um furacão – e tenta reconstituir o que houve pelos vestígios
que encontra. Uma calcinha pendurada num lustre que ainda balança. Pedaços de
pizza espalhados pelo chão. Um taco de golf com sinais de ter sido usado numa
cabeça. Um canguru empalhado com uma camiseta do Vasco. E como este trombone
veio parar dentro do sofá?
Estou tentando entender o que se passou. As poucas pessoas
que conseguem parar de rosnar ou de rir e falar comigo não ajudam. Deduzi que
houve uma eleição. Nada demais. Eleições costumam acabar com derrotados e
vencedores, inconformados e satisfeitos, ressentidos e celebrantes. Nada mais
normal. Nada, principalmente, que justifique o taco de golf na cabeça ou a
euforia desmedida. Mas esta eleição – ainda estou deduzindo – foi diferente.
Ouço explicações desencontradas:
– Mais uma vez os nordestinos atrasam o Brasil. Só matando!
– Mais uma vez o Brasil carente reconhece o que o PT está
fazendo por ele e lhe dá um voto de confiança!
– A esquerda está levando este país para o abismo!
– O povão deu uma resposta para a direita hidrofóbica!
Senti que não adianta pedir calma, ponderação, conciliação e
diálogo – você corre o risco de apanhar. Talvez mais do que qualquer outra
eleição, legítima ou engendrada, na história do Brasil, esta vai requerer tempo
para reconciliação ou esquecimento, que não virá tão cedo.
Ou talvez eu tenha entendido errado. Foi tudo apenas outro
episódio – um pouco mais feio do que outros – na vida de uma democracia em
pleno funcionamento.
Ou seja, nada mais normal.
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