31/12/2013
e 01/01/2014 | N° 17660
MARTHA
MEDEIROS
Oferendas ao
nada
Ao
reler o livro A alma imoral, do rabino Nilton Bonder, encasquetei com uma
expressão que, na primeira leitura, feita anos antes, não havia me despertado a
atenção – e isso explica a razão de releituras serem necessárias, pois
acontecem num outro momento da vida, em que o que não era relevante passa a
ser. E nem preciso dizer que essa predisposição à releitura deveria existir
para tudo, não só para livros.
Mas
retornando ao ponto.
No
livro, o rabino diz que muitos dos nossos sacrifícios e esforços são oferendas
ao nada. Oferendas ao nada. Foi esta a expressão que me fez refletir sobre a
quantidade de privações e abstinências a que nos submetemos e que têm serventia
nula. Zero.
Todo
novo ano que se inicia é um convite a uma releitura de si mesmo. Você já passou
pelos mesmos janeiros e fevereiros e marços que aí vêm, os mesmos carnavais e
páscoas, as mesmas mordidas do Leão, as mesmas estações, o mesmo do mesmo. Se
daqui para frente queremos extrair alguma novidade de fato, ela virá da nossa
maneira de encarar a vida, de desfrutá-la com mais proveito.
Então,
que se oferende flores à Iemanjá, já que rituais de otimismo e fé não fazem mal
a ninguém, e que se oferte abraços e bons votos aos amigos, já que a alegria é
uma energia que vale a pena ser trocada, e que a gente doe sempre o que temos
de melhor, aquilo que nos movimenta – e não o que nos trava.
A
timidez, por exemplo. O que a timidez tem feito por você? Ela impede que você
se relacione olho no olho, que arrisque uma conversa com um desconhecido, que
apresente aos outros seu trabalho, suas propostas, suas ideias. Orgulhar-se da
sua timidez, colocando-a num altar, é fazer uma oferenda ao nada.
O
que a culpa tem feito por você? Tem impedido você de se responsabilizar pelos
seus atos e renegociar com a vida, tem trancafiado você em casa, obrigando-o a
lidar incessantemente com questões passadas, tem envelhecido você, consumido
você, paralisado você, e você ainda se ajoelha e reza para cultuá-la. Outra
oferenda ao nada.
O
que a insegurança tem feito por você? Nada. O que o medo tem feito por você?
Nada.
O
narcisismo, menos ainda. Cultuando esse deus chamado “Eu”, você não olha para
fora, não exercita a solidariedade, não considera o sentimento dos outros, não
compreende, não perdoa, não evolui. Oferece a si próprio uma homenagem
patética, fica preso a uma energia que não circula, não realiza troca alguma.
Joga flores para a solidão.
Que
em 2014 consigamos romper com nossos receios sobre o que os outros irão pensar
de nós, com o que não nos traz retorno, com o que não nos insere no universo de
uma forma mais efetiva e bonita. Chega de cultuar impedimentos. Façamos, para
variar, oferendas ao risco.
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