24/12/2013
e 25/12/2013 | N° 17654
MARTHA
MEDEIROS
O sobrenatural e o
real
Há
algum tempo venho pensando na função das religiões, e a cada reflexão me
convenço de que não precisamos de templos, rituais, mandamentos, pecados,
penitências e de intermediários falando em nome dos deuses – e nem de deuses
precisamos. É tudo opcional. O que precisamos está dentro de nós.
Templos
são belos e podem ser úteis na busca por sossego espiritual, já que costumam
ser silenciosos (a natureza também pode cumprir essa função, diga-se). Rituais são
igualmente belos e podem confirmar nossas melhores intenções perante a vida
(mas sem plateia também podemos confirmá-las, você sabe). Pecados e
penitências, eu pulo. São manipulações que só servem para gerar culpa.
Intermediários?
É
bonito contar com a figura de um pai, seja real ou simbólico, e nesse sentido a
figura do Papa, de um Buda, de um monge ou de qualquer pessoa de carne e osso
com um projeto pacificador pode cumprir a função de extrair de nós a humildade
necessária para não virarmos uns tiranos.
Quanto
aos mandamentos, bastaria um só, um único, que, se fosse obedecido,
solucionaria boa parte dos problemas do mundo: “Não faça aos outros o que não
gostaria que fizessem a ti”. Há muitas versões da mesma frase, mas essa vem sem
metáfora, desembalada e pronta para usar.
Já
pensou se ela fosse aplicada na política? No universo corporativo? Eu sei, é
utopia demais, mas se fosse aplicada ao menos nas nossas relações cotidianas,
já faríamos uma revolução.
Pena
que ela apresente uma solução simples, e as pessoas rechaçam o simples. O
simples não gera comoção, não dá pauta, não é suficientemente bombástico. A
encrenca, a dificuldade, o jogo de poder, a competitividade, a vingança, isso
tudo, sim, torna a vida menos monótona. Se as coisas derem certo, qual é a
graça? Do que iremos nos queixar?
Eu,
que adoro uma vida mansa, sou totalmente partidária do simples, do óbvio, do
fácil, do comum – dentro do que ambiciono, eles me servem muito bem. Minha
religiosidade é desenvolvida através de valores que não dependem de
representatividade formal, constituída e sacra. Gentileza, tolerância,
respeito, elegância moral (ouvi essa expressão outro dia e adotei),
honestidade, paciência, troca, afetividade e desapego de mágoas e rancores:
disso tudo provém a verdadeira espiritualidade transmitida de pai para filho,
de avós para netos, de amigos para amigos, sem necessidade de carteirinha de
adesão a qualquer igreja.
Neste
Natal (e amanhã, e depois de amanhã...), reze, é um conforto para a alma. Ou
não reze, se não possui o hábito. Não vai fazer diferença nenhuma para o mundo.
O que faz diferença para o mundo é como você se comporta com os outros, não com
Deus. Deus, muitas vezes, serve apenas para transferir responsabilidades.
Assuma a sua, e amém: estaremos todos em paz.
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