RUTH
DE AQUINO
20/12/2013
22h54 - Atualizado em 20/12/2013 22h58
Saúde, Dilma!
É disso
que o país precisa – como revela a carta de um leitor médico que tem medo de
represália.
São
nossos votos para 2014, presidente. A senhora venceu uma doença e uma eleição. Ao
que tudo indica vencerá a próxima. A senhora precisa de saúde como mulher, mãe
e avó. O Brasil precisa de Saúde, com maiúscula.
A
coluna anterior “O corredor da morte nos hospitais” atingiu o nervo da revolta
entre os leitores. Reproduzo abaixo parte da carta de um médico, que pede para
não ser identificado, com medo de represálias:
“Prezada
Ruth. O que aconteceu com seu pai, infelizmente, é normal. Acontece com TODOS
os planos de saúde em TODOS os hospitais do Brasil, quando se trata de
atendimento de emergência. A autorização de procedimentos é sempre por telefone
e, se você já tentou, sabe que isso significa horas de lenga-lenga e
musiquinhas irritantes.
Até que
se contate um médico auditor responsável, pelo menos uma hora já é perdida na
espera. Por isso, os melhores atendimentos de emergência ainda estão nos
hospitais públicos. Quando é preciso uma cirurgia de urgência, o cenário muda: vou
dar o exemplo de um caso comum em nosso dia a dia.
O
paciente chega politraumatizado – com uma fratura exposta de perna e um
traumatismo craniano leve. A pancada na cabeça torna necessária a realização de
exames, como uma tomografia, e a colocação do paciente em observação. A fratura
exposta deve ser operada logo. Quanto mais tempo demora, maior o risco de o
paciente contrair uma infecção que, se confirmada, será de difícil tratamento –
ossos não respondem bem a infecções, o que obrigaria a cirurgias posteriores. Uma
urgência, portanto.
Como
o paciente está lúcido, ele diz à equipe que tem plano e quer operar em
hospital particular. O chefe de equipe faz o contato e, em até duas horas, a
transferência é autorizada. Falta a ambulância chegar, o que só costuma
acontecer cerca de três horas depois.
É isso
mesmo: em média, entre a chegada do paciente ao hospital público e a saída do
paciente para o particular, o tempo de espera varia entre 5 e 8 horas. Diz-se
que o período de ouro para essas cirurgias é de menos de 6 horas, para diminuir
o risco de infecção. Normalmente, convencemos o paciente de que é melhor operar
no hospital público e, depois, fazer o acompanhamento pós-operatório num
hospital particular.
E é com
isso que os planos de saúde contam. Que, com a demora, o SUS acabe arcando com
as despesas maiores. Exames, medicamentos, material anestésico, material cirúrgico.
E que, depois, não haja ressarcimento ao hospital por todos os serviços. Sem
contar que um paciente que teria condições de arcar financeiramente por um
serviço melhor acaba ocupando ou disputando espaço com pacientes menos
favorecidos.
Talvez,
no Hospital Lourenço Jorge, seu pai tivesse sido atendido mais rápido. Só teria
de esperar pelos procedimentos numa maca muito menos confortável, em contato próximo
com outros pacientes. Talvez visse alguns pacientes aguardando cirurgia
espalhados nos corredores, por falta de vaga nas enfermarias. Quer dizer,
talvez não. O Lourenço não tem neurocirurgião para ver a tomografia cerebral de
seu pai. Sobraram só o Miguel Couto e o Souza Aguiar no Rio. Faltam
neurocirurgiões que aceitem trabalhar por pouco.
Atualmente,
meu salário pela prefeitura do Rio é de R$ 1.686. Passei num concurso entre os
primeiros lugares para ter direito a esse salário. Somente aceitei por respeito
à instituição onde fiz internato, residência e pós-graduação. Não aceitaria se
não fosse por motivos idealistas. Sou obrigado a dar plantões com colegas que não
fizeram concurso nenhum. Apenas conhecem as pessoas certas. E, por isso,
recebem até R$ 7.500. Para realizar o mesmo serviço.
Também
trabalho em hospitais particulares. E tento fazer o certo por lá também. Mas os
mesmos planos de saúde que se negavam a pagar a tomografia de seu pai também se
negam a pagar decentemente por nossos procedimentos. Recebo cerca de R$ 150 – para
a equipe toda, cirurgião, auxiliar e instrumentadora – por uma fratura de calcâneo,
cirurgia complexa, com alto risco de complicações. Para a placa e os parafusos
utilizados para a fixação, que custam R$ 1.500, os planos pagam tranquilamente
R$ 5.000.
Meus
antigos professores me dizem que o foco precisa ser a saúde pública. No dia em
que a saúde pública remunerar adequadamente a classe médica, os hospitais
particulares e os planos de saúde serão obrigados a aumentar as remunerações se
quiserem atendimento de qualidade.
Meus
mestres são de um tempo em que um médico fazia carreira no mesmo hospital
durante toda a vida. O que é cada vez menos possível, mesmo em hospitais
particulares. O médico hoje tenta sobreviver até conseguir o suficiente para
montar um consultório. Aí, é fugir tanto do serviço público quanto dos planos. Ou largar a especialização, ir para o
interior e entrar para o Mais Médicos.
Atendi
índios na Amazônia e sou apaixonado pelo serviço público. Mas é cada vez mais
difícil fazer carreira de Estado nos dias de hoje”.
Saúde,
Dilma!
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