quarta-feira, 18 de dezembro de 2013


18 de dezembro de 2013 | N° 17648
ARTIGOS - Gilberto Schwartsmann*

Tony Blair e os Tristes Trópicos

No coquetel que antecedeu a conferência de Tony Blair em Porto Alegre, tive o privilégio de trocar algumas palavras com o reconhecido estadista. Um empresário comentou a ineficiência do Estado brasileiro. Blair sorriu e disse: Os políticos deveriam antes passar uns anos na iniciativa privada!.

Ao ser perguntado sobre como melhorar o desempenho do Estado, respondeu: “Cargo político não é o mesmo que cargo técnico”. Não sei a razão, mas lembrei, instantaneamente, de minha já longínqua leitura de Tristes Trópicos, de Claude Lévi-Strauss. Da vida dura nos seringais.

Cargo político não é função técnica. Cargos políticos devem ser ocupados por indivíduos que escolhemos como representantes. Seu desempenho será julgado pelo voto. Cargos técnicos têm como função executar políticas e serviços públicos com eficiência e agilidade.

É assim que funcionam os países desenvolvidos. Não param a cada troca de governo. Mudam políticos, mas técnico de qualidade tem vida longa, não depende de vinculação partidária.

Alguns políticos confundem assumir o governo com apropriar-se dele. E acabam por desestruturá-lo, loteando cargos técnicos em “ações entre amigos”.

Cargo técnico é para gente com escolaridade, vivência e conhecimento necessários ao exercício da função. Na iniciativa privada, esses cargos são preenchidos por indivíduos aptos ao desempenho da atividade.

Um funcionário incompetente não engana o patrão por muito tempo. É logo substituído por outro mais capaz, pois o prejuízo pesa no bolso do dono da empresa.

Nos governos ineficientes, aceitam-se passivamente a indicação por políticos de pessoas de capacidade duvidosa. Não há zelo na fiscalização. Nós, brasileiros, somos tolerantes com a incompetência. Nem falar da nomeação premeditada de desonestos para facilitar a corrupção.

Sofremos de doença endêmica, que permeia governos de distintas cores partidárias, denominada “politicagem”, um instrumento político de ocupação consciente de cargos técnicos, por pessoas sem preparo formal para a função, mas vinculadas ao poder. Nada contra político sério em cargo técnico. Mas a nomeação de gente incompetente é um convite ao subdesenvolvimento. É hora de enfrentarmos essa indiferença irritante com a falta de excelência.

Há uma frase em Tristes Trópicos, na qual Lévi-Strauss descreve a vida dos humildes nos seringais da Amazônia. A edição que possuo é em espanhol. Traduzo-a assim: “O fato de aquela gente se acostumar à miséria é algo tão presente, que a vida nem é percebida como sofrimento”.

As respostas de Tony Blair fizeram-me recordar o risco que corre um país que banaliza o sofrimento causado por sua incompetência. Com o tempo, o povo pode ser levado a um estado letárgico. Uma espécie de resignação, que torna o sofrer normal.

Lembrei-me dos seringueiros descritos por Lévi-Strauss. Quando acordamos, era tarde. Os antepassados de Blair haviam partido com os seringais rumo à Malásia.


*MÉDICO E PROFESSOR

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