segunda-feira, 30 de dezembro de 2013


30 de dezembro de 2013 | N° 17659
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL

Conjugal

A diplomacia conjugal estabelece acordos tácitos que, numa longa relação, são cumpridos sem esforço, pois os termos são baseados no afeto e livremente aceitos. Isso não é difícil de acontecer, desde que haja a disposição de entender o outro em sua integridade biológica e humana – e não estamos dizendo nada de novo. O novo é quando essa relação se transforma em poesia; quer-se dizer: poesia forte, sem o sentimentalismo que costuma frequentar os cadernos escolares da extrema juventude.

Utilizar o gênero lírico não é fácil, porque pressupõe o sentimento amoroso, mas a visão com um mínimo de distância do objeto do poema – em suma: pressupõe o uso simultâneo da razão e da emoção. Essa proeza conseguiu Daniel de Sá, açoriano da Ribeira Grande, com o livro As Rosas de Granada, publicado em 2013 pela Ver Açor. Trata-se, esta, de uma edição póstuma; o poeta, em vida, publicara-a em edição restrita à família e aos amigos. A edição da Ver Açor é visualmente luminosa, com expressiva capa em vermelho. O autor assume o nome de Ahmed ben Kassin, poeta árabe.

Não é o caso, aqui, de estudar a forma, pois teríamos um tratado inteiro sobre a poesia árabe. Fiquemos com Daniel de Sá, digo, Ahmed ben Kassin. O livro é um canto de fidelidade à esposa, todo ele. São poemas em que a lucidez junta-se ao mais terno amor e, ao mesmo tempo, remete à reflexão existencial: “A minha amada/ Faz-me a vida mais curta./ Junto dela,/ Todo tempo é breve”.

Há outro poema que impressiona, pois nele podemos pensar no poeta que já não está entre nós: “Quando eu era cativo,/ Só meu corpo tinha morada certa/ E o meu espírito andava livre/ Como os cordeiros da Alcárria.// Agora, que tenho mais liberdade do que os cordeiros da Alcárria,/ Estou preso sempre no coração da minha amada”. Há, também, achados poéticos e ao mesmo tempo plásticos: “As costas da minha amada são muito belas,/ Mas, quando as vejo, fico triste/ porque ela se afasta de mim”.


Daniel de Sá: grande escritor, prematuramente desaparecido deste mundo. Fiel cristão que era, harmonizava sua fé a outras, numa convivência expressiva e bela, capaz de um sincretismo que ele dava conta na maior harmonia. E de troco, nos ensina que as rosas de Granada são vermelhas como o amor.

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