19
de dezembro de 2013 | N° 17649
L.F.
VERISSIMO
Os
escrúpulos
Há
dias, na sua coluna, num texto exemplar como sempre, o Zuenir Ventura lembrava
que há 45 anos era assinado o Ato Institucional nº 5, que instaurava a ditadura
sem disfarces no Brasil. Congresso fechado, fim dos direitos constitucionais,
censura e repressão a valer, poderes absolutos para o governo militar, e que se
danassem os escrúpulos.
Os
escrúpulos não tinham sido suficientes para deter o golpe de 64, mas alguns
ainda sobreviveram por quatro anos. O AI-5 acabou com todos. Também é bom e
saudável não esquecer o clima de antiesquerdismo furioso que justificou o golpe
de 64 e o golpe dentro do golpe de 68.
Ser
“de esquerda” era um risco, durante o recesso dos escrúpulos. Pode-se imaginar
que a renúncia aos escrúpulos entre os que assinaram o AI-5 significasse um
drama de consciência para alguns, mas foi a desobrigação com qualquer escrúpulo
que liberou a mão do torturador. Com a “abertura”, foram restituídos os
escrúpulos. Hoje quem é – ou pretende ser – “de esquerda” só se arrisca a ouvir
o rosnar da direita, que não parece ser preâmbulo de nada parecido com o que já
houve. Mas não custa ficar de sobreaviso, né, Zuenir?
Sou
um careta assumido. Tão careta, que ainda uso o termo “careta” . Nunca fumei ou
usei drogas e meus porres de adolescência acabaram porque o martírio das minhas
ressacas era muito maior do que o prazer do porre. E... Mas espera um
pouquinho. Preciso fazer uma confissão. Tomava-se muita Cuba Libre, na época,
há 200 anos. Coca-Cola com rum. Ou rum com Coca-Cola, dependendo da pressa.
E um
dia alguém apareceu com uma novidade: desmanchar dois comprimidos de Melhoral
na Cuba Libre daria um barato espetacular. Experimentei. Quem se lembra do
jingle do Melhoral? “Melhoral, Melhoral, é melhor e não faz mal”? O Melhoral
desmanchado na Cuba Libre não me fez mal – nem bem. Não me fez nada. O barato
desejado não aconteceu e eu nunca mais experimentei. Mas foi a coisa mais
depravada que fiz na vida, se concordarmos que sonho não vale.
Tudo
isto para dizer que não tenho credenciais para opinar sobre a liberação da
maconha, como fez o Mujica no Uruguai. Sou um ignorante na matéria. A fumaça da
maconha faz tanto mal quanto a fumaça do cigarro comum? Vicia como cigarro
comum? Também dá câncer? Se já é usada para fins medicinais, também funciona
para fins profiláticos?
Dá
mesmo um barato bom ou pertence à mesma categoria do Melhoral na Cuba Libre?
Não sei. Só sei que o Mujica está fazendo um governo bacana – olha aí, eu
também ainda uso “bacana” – no Uruguai, inclusive vencendo alguns escrúpulos.
No bom sentido.
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