22
de dezembro de 2013 | N° 17652
MARTHA
MEDEIROS
O anel que tu me
deste
Aconteceu em 2005. Eu estava almoçando com uma amiga
na cidade onde ela mora, fora do Brasil. De repente, olhei para sua mão e fiz
um elogio ao anel lindíssimo que ela usava. Ato contínuo, ela retirou o anel e
me deu.
É
seu. Fiquei superconstrangida, não era essa minha intenção, queria apenas
elogiar, mas ela me convenceu a ficar com ele, dizendo que ela mesma fazia
aqueles anéis e que poderia fazer outro igualzinho. De fato, fez. Acabaram
virando nossas alianças: desde então nossa amizade só cresceu.
Certa
vez Marilia Gabriela entrevistou Ivete Sangalo em seu programa no GNT quando
aconteceu uma cena idêntica. Ela elogiou o anel da cantora e esta, na mesma
hora, tirou-o do dedo e deu de presente a Gabi, que ficou envergonhada, não
estava ali para ganhar presentes, mas tanto Ivete insistiu, e com tanto
carinho, que recusar seria deselegância, e lá se foi o anel da morena para a
mão da loira.
Diante
de tanto acúmulo e posse, gestos de desprendimento são raros e transformam um
dia banal em um dia especial. Não é comum alguém retirar do próprio corpo algo
de que gosta e dar de presente, numa reação espontânea de afeto. Pessoas fazem
isso por inúmeras razões. Por gostarem realmente da pessoa com quem estão.
Pelo
senso de oportunidade. Pelo prazer de surpreender. Por saberem que certas
atitudes falam mais do que palavras. E por terem a exata noção de que um anel,
ou qualquer outro bem material, pode ser substituído, mas um momento de
extasiar um amigo é coisa que não vale perder.
Estou
falando deste assunto não porque também seja assim desprendida. Já me desfiz de
muita coisa, mas me desfaço com planejamento, pensando antes. De supetão, por
impulso, raramente. Meu único mérito é reconhecer a grandeza alheia.
Devo
estar me transformando numa sentimentaloide, mas acredito que estes pequenos
instantes de delicadeza merecem um holofote, já que andamos muito rudes e
autofocados. Desfazer-se dos próprios bens é uma coisa meio franciscana, mas
não se pode negar que um pouco de desapego torna qualquer relação mais fácil. E
não falo só de bens materiais. Desapego das mágoas, desapego da inveja,
desapego das próprias verdades para ouvir atentamente a dos outros. Não estaria
aí a fórmula do tal “mundo melhor” que tanto perseguimos?
Bom,
o anel que minha amiga me deu seguirá no meu dedo, nem adianta vir elogiá-lo
para testar se o truque funciona. Faz parte da minha história pessoal. Mas
posso me desprender de outras coisas das quais gosto, basta que eu saiba que
serão mais bem aproveitadas por outras pessoas.
É
com esse espírito de compartilhamento que encerro esta crônica desejando a
todos os leitores um Natal com muitos presentes – mas no sentido de presença.
Que, junto aos seus afetos, você comemore o que lhe for mais tocante: seja o
nascimento de Jesus, seja a reunião familiar, seja apenas mais uma noite
festiva de dezembro, seja um momento de paz entre tanto barulho, ou
simplesmente a sensação de que uma inesperada gentileza pode ser o melhor
pacotinho embaixo da nossa árvore.
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