15
de dezembro de 2013 | N° 17645
MARTHA
MEDEIROS
Conversas iluminadas
Tem
coisa mais xarope do que faltar luz? Outro dia estava terminando de escrever um
texto e não consegui concluí-lo: o céu enegreceu, trovões começaram a espocar e
foi-se a energia da casa. Eram 15h10 da tarde.
A
luz só voltou às 20h. Fiquei com aquele pedação de dia sem poder trabalhar. Então
bati à porta do quarto da minha filha e percebi que ela também estava à toa,
sem conseguir desfrutar da companhia inseparável do seu laptop. Ficamos as duas
ali nos queixando do desperdício de tempo, até que nos jogamos em sua cama e
começamos a conversar. Que jeito.
Conversamos
sobre os sonhos que ela tem para o futuro, e eu contei os que eu tinha na idade
dela, e de como a vida me surpreendeu desde lá até aqui. E ela me divertiu com
umas ideias absurdas que só podiam mesmo sair de sua cabeça inventiva, e eu ri
tanto que ela se contagiou e riu muito também de si mesma. Então ela me falou
sobre uma peça de teatro que foi assistir quando eu estive viajando, e ela
disse que eu teria adorado, e combinamos de ir juntas na próxima vez que o ator
voltar a Porto Alegre.
Aí eu
contei o que fiz durante essa viagem que me impediu de estar com ela no teatro,
e vimos as fotos juntas. Então foi a vez de ela me apresentar o novo disco da
Lady Gaga (pelo celular), e ela me convenceu de que existe muito preconceito
com essa cantora que, em sua opinião, é revolucionária, e eu escutei umas sete
músicas e não gostei tanto assim, mas reconheci ali um talento que eu estava
mesmo desprezando.
Então
foi minha vez de tocar pra ela uma música que eu adoro e ela fez uma careta, e
concluí que a careta era eu. E rimos de novo, e conversamos mais um tanto, e
então fomos para a cozinha comer um resto de salada de fruta que estava a ponto
de estragar naquela geladeira sem vida, já que a luz ainda não havia voltado.
Será
que não havia voltado mesmo? Engraçado, fazia tempo que não passava uma tarde tão
luminosa.
Quando
por fim a luz voltou, voltei também eu para o computador, e voltou minha filha
para seu Facebook, e só o que se escutava pela casa era o barulho das teclas
escrevendo para seres invisíveis – falávamos com quem? Com o universo alheio.
E
tive então um insight: tem, sim, coisa mais xarope do que faltar luz. É ficarmos
reféns da tecnologia, deixando de conversar com quem está ao nosso lado. Se é preciso
que a energia elétrica seja cortada para resgatar a energia humana, que seja,
então. Não em hospitais, não em escolas, mas dentro de casa, uma horinha por
semana: não haveria de causar um estrago tão grande. Se acontecer de novo,
prometo não reclamar para a CEEE, desde que não demore tanto para voltar a
ponto de estragar os alimentos na geladeira e que seja suficiente para me
alimentar da clarividência e brilho de um bom papo.
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