segunda-feira, 30 de dezembro de 2013


30 de dezembro de 2013 | N° 17659
PAULO SANT’ANA | MOISÉS MENDES (Interino)

Água, luz e a garrafa de Leiden

Aignorância nos recompensa com o prazer das descobertas tardias. O capacitor, por exemplo, você sabe para que serve? Vi um documentário no GNT na semana passada sobre a descoberta do armazenador de energia elétrica.

Agora sei tudo da garrafa de Leiden e da falha que deu origem ao capacitor. Pieter Musschenbroek, professor da Universidade de Leiden, nos Países Baixos, fazia um experimento com uma garrafa com água que recebia descargas. Esqueceu de colocar uma base na garrafa e acabou descobrindo como se armazena energia. Isso foi lá em 1746.

No mesmo GNT, neste mês, vi mais um documentário sobre Roma. E mais uma vez apareceram os aquedutos. Roma tinha 400 quilômetros de dutos subterrâneos ou suspensos. É uma tecnologia de antes de Cristo.

Agora, você aí que está sem água e sem luz ou já ficou sem água e sem luz neste ano. Você pode ter berrado como um vizinho meu berrou na escuridão de quinta-feira, quando a luz se foi na zona sul de Porto Alegre:

– De novo? Mas não é possível!!!!!

Como é possível? A garrafa de Leiden, com água e luz, tem 267 anos. Tales de Mileto intuiu o que era energia há mais de 2,5 mil anos. Os dutos são bíblicos. Então, como milhares de gaúchos podem ficar sem luz e sem água? Como alguém (mesmo nos grotões) fica sem luz e sem água no século 21?

Na quinta-feira, faltou luz por mais de uma hora na zona sul. Retornou por cinco minutos e se foi de novo. Foi quando meu vizinho gritou. Só voltou mesmo, dizem, de madrugada. Mas e você do Interior, que está há dias sem água porque faltou luz, ou sem luz porque faltou água?

Sei o que você ouve sobre a falta de luz: é a sobrecarga do sistema por causa do calor. O calor passou a surpreender... Era só o que faltava.

Dizem o mesmo sobre a água: excesso de consumo e reservatórios baixos. Um diretor do Dmae (eu já contei essa história) disse no ano passado que falta água também porque estão comprando muita piscina e, acredite, enchendo as piscinas com água.

Não há sobrecarga de energia, nem queda nos níveis de rios e reservatórios, não há excesso de piscina, não há nada que acalme quem fica sem luz e sem água. A tal sobrecarga (num começo de verão) virou fenômeno banal, corriqueiro, repetido com crueldade todos os anos. O que falta é gestão e investimento. Os cortes de água, no início de uma estiagem, têm a mesma origem.

Porto Alegre tem água e luz estatais. Você, do Interior, sabe que não há diferença nas regiões em que os serviços foram privatizados.

Na quinta, quando faltou luz (e a zona sul já se acostumou com a falta de água também), fiz pelo menos seis tentativas de falar com a CEEE. Por quase duas horas. As posições estavam ocupadas. Nos sonegam até o consolo de uma informação.

Nada é mais primitivo do que ficar sem luz e sem água. Que se recuperem as estruturas de transmissão de energia, que se cavem reservatórios. Nossas cidades estão separadas por mais de 20 séculos da ciência de Tales de Mileto e da engenharia dos dutos de Roma.


Daquela época, temos até as arenas (superfaturadas) para a Copa. Temos arenas, enfrentamos leões e pagamos tarifas de país europeu para serviços precários. Só faltam os bárbaros, ou talvez nem isso falte mais.

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