27
de dezembro de 2013 | N° 17656
DAVID
COIMBRA
Me ensina a
esquecer
Meu
filho já deveria ter largado o bico. Seis anos de idade, francamente. Ele sabe
disso, tanto que, neste ano, decidiu que entregaria o bico para o Papai Noel.
Desde novembro vem falando:
No
Natal, vou dar o bico para o Papai Noel. Eu vou.
Noel.
Eu vou. Bem. Contratei um Papai Noel. Um ótimo Papai Noel. Eu mesmo quase
acreditei que fosse o próprio, vindo direto do Polo Norte com seu trenó voador.
Quando ele chegou à porta, batendo sino, meu guri saiu correndo pela casa:
O
bico! Tenho que achar o bico! De fato, mal o Papai Noel entrou, ele lhe
estendeu o bico: – Ó.
Depois,
encheu o Papai Noel de perguntas. Sobre o clima da Lapônia, sobre a velocidade
das renas, sobre o salário dos duendes que trabalham na fábrica de brinquedos.
A festa prosseguiu, depois que o Papai Noel se foi, e o meu guri se distraiu
com os brinquedos novos, sobretudo com um mínion, ele adora os mínions. Então,
chegou a hora de dormir.A hora do bico. Nesse momento, acometeu-o uma violenta
síndrome de abstinência.
– O
bico! – implorava, aos prantos.
–
Quero o bico! Liga pro Papai Noel! Liga pro celular dele! Tentei consolá-lo
sugerindo que pensasse nos brinquedos que havia recebido. Que tentasse esquecer
do bico.
–
Mas eu não consigo esquecer! – Ele gritava.
–
Não consigo esquecer! – E, olhando para mim com os olhos rasos d’água, pediu:
–
Pai, me ensina a esquecer! Me ensina a esquecer.
Suspirei.
Disse
que ia tentar. Que aprender a esquecer talvez seja o mais importante da vida,
porque a vida é feita de perdas. Que, às vezes, é fundamental deixar de lutar,
aceitar a derrota e seguir em frente, porque lá adiante tudo será novo e
diferente e, decerto, melhor.
– Em
certas ocasiões, a gente tem que desistir, meu filho. Simplesmente desistir.
Porque, depois que a gente desiste, começa a esquecer, e vai esquecendo, vai
esquecendo, até que um dia aquilo não faz mais falta e a gente olha e nem quer
mais.
Ele
esfregou os olhos.Aprumou-se na cama: - Eu vou desistir do bico, pai. – Isso.
Isso...
–
Porque é bom esquecer. Eis a verdade. É bom esquecer
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