31/12/2013
e 01/01/2014 | N° 17660
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Não é amor
Por
que ela não conta? Por que ela não presta ocorrência na delegacia?
Todos
acham um absurdo apanhar e não revidar publicamente.
Não
é fácil se separar. Não é simples para muitas mulheres denunciar o companheiro.
Eu
entendo a vergonha de quem suporta maus-tratos em casa.
A
humilhação de apanhar do marido. De receber tapa ou empurrão e guardar para si.
De levar soco ou pontapé e cuidar dos hematomas em sigilo.
Ninguém
tem ideia de como essas pessoas sofrem.
Sofrem
pela dor física, mas sofrem ainda mais pela esperança de que um dia seu homem
vai se recuperar. E isso não acontece.
As
mulheres que aguentam violência doméstica são solitárias. Absurdamente
sozinhas. Loucamente desamparadas.
Perdem
a paciência e a tolerância de quem poderia salvá-las.
Elas
se isolam dos amigos, pois não têm mais coragem de disfarçar as histórias.
Elas
se distanciam dos familiares porque nenhum parente admitiria a hipótese sequer
de um insulto.
Morrem
socialmente: enterradas vivas em suas próprias residências.
Apesar
do calor excessivo, não podem usar vestidos e mangas curtas para não ostentar
as feridas e os inchaços. Acordam de óculos escuros para se encarar no espelho.
Colocam sua maquiagem a reparar os danos noturnos.
Para
os colegas, estão constantemente caindo da escada e tropeçando nos móveis.
Para
os filhos, fingem que não choram com um sorriso que não mexe nem as rugas.
Elas
mentem no lugar do agressor. Mentem pelo medo de não ter outra chance de ser
feliz.
Dedicam
suas horas a zelar por uma farsa, a proteger um conto de fadas que existe na
aparência, tentando salvar o casamento a qualquer custo.
Festejam
as semanas sadias como milagres. Saúdam os momentos calmos como férias. Esmolam
olhares de ternura para compensar o inferno.
Eu
entendo as mulheres agredidas. Entendo, e dói entender.
É
uma espiral de constrangimentos, que abole as defesas, que apaga a
personalidade, que anula o temperamento.
São
frágeis, quebradiças, carentes.
Atravessam
um domingo inteiro procurando uma desculpa para continuar.
São
as únicas que não enxergam que terminou o relacionamento, que não há jeito de
recuperar o respeito.
Não
são apenas cegas de amor, porém também surdas e mudas. O amor roubou todos os
sentidos, todo o sentido de suas vidas.
Juram
que foi uma exceção quando é a terceira ou quarta vez que a discussão desanda
em briga.
Invertem
a perspectiva do mundo: a tranquilidade é a exceção em sua rotina e se enganam
que é a regra.
Juram
que o marido não é violento, que há muita pressão do trabalho, que é efeito da
bebida.
Explicam
e justificam e argumentam o impossível, naquela mania de se convencer da
pobreza para aceitar a miséria.
Ele
se arrepende, ele chora, ele promete que não fará de novo, ele se ajoelha, ele
manda flores, mas será reincidente.
Para
essas mulheres que resistem em segredo, só tenho uma coisa a dizer: quem bate
uma vez baterá sempre.
Apanhar
por amor jamais melhora o amor.
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