23
de dezembro de 2013 | N° 17653
L.F.
VERISSIMO
Utopias e
distopias
Todas
as utopias imaginadas até hoje acabaram em distopias, ou tinham na sua origem
um defeito que as condenava. A primeira, que deu nome às várias fantasias de um
mundo perfeito que viriam depois, foi inventada por Sir Thomas Morus em 1516.
Dizem
que ele se inspirou nas descobertas recentes do Novo Mundo, e mais
especificamente do Brasil, para descrever sua sociedade ideal, que significaria
um renascimento para a humanidade, livre dos vícios do mundo antigo. Na Utopia
de Morus, o direito à educação e à saúde seria universal, a diversidade
religiosa seria tolerada e a propriedade privada, proibida.
O
governo seria exercido por um príncipe eleito que poderia ser substituído se
mostrasse alguma tendência para a tirania e as leis seriam tão simples, que
dispensariam a existência de advogados. Mas para que tudo isto funcionasse,
Morus prescrevia dois escravos para cada família, recrutados entre criminosos e
prisioneiros de guerra. Além disso, o príncipe deveria sempre ser homem e as
mulheres teriam menos direitos do que os homens. Morus tirou o nome da sua
sociedade perfeita da palavra grega para “lugar nenhum”, o que de saída já
significava que ela só poderia existir mesmo na sua imaginação.
Platão
imaginou uma República idílica em que os governantes seriam filósofos, ou os
filósofos governantes. Nem ele nem os outros filósofos gregos da sua época se
importavam muito com o fato de viverem numa sociedade escravocrata. Em Candide
, Voltaire colocou sua sociedade ideal, onde haveria muitas escolas mas nenhuma
prisão, em El Dorado, mas Candide é menos uma visão de um mundo perfeito do que
uma sátira da ingenuidade humana.
Marx
e Engels e outros pensadores previram um futuro redentor em que a emancipação
da classe trabalhadora traria igualdade e justiça para todos. O sonho acabou no
totalitarismo soviético e na sua demolição. Até John Lennon, na canção Imagine,
propôs sua Utopia, na qual não haveria, entre outros atrasos, violência e
religião. Ele mesmo foi vítima da violência, enquanto no mundo todo e cada vez
mais as pessoas se entregam a religiões e se matam por elas.
Quando
surgiu e se popularizou o automóvel, anunciou-se uma utopia possível. No futuro
previsto, os carros ofereceriam transporte rápido e lazer inédito em estradas
magnetizadas para guiá-los mesmo sem motorista. Isso se os carros não voassem,
ou se não houvesse um helicóptero em cada garagem. Nada disso aconteceu. Foi
outra utopia que pifou. Hoje vivemos em meio à sua negação, em engarrafamentos
intermináveis, em chacinas nas estradas e num caos que só aumenta, sem solução
à vista. Mais uma vez, deu distopia.
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