19
de dezembro de 2013 | N° 17649
ARTIGOS
- Ilson Enk*
Nascendo na
adversidade
As
estatísticas e a natureza felizmente ajudam, mas não conseguem neutralizar a
insuficiência das políticas pública e privada de saúde perinatal do nosso país.
Concebido um ser humano, a probabilidade de atingir a sua maturação orgânica e
estar livre de malformações ou outras anomalias congênitas supera, de longe, a
fatalidade de, ao deixar o útero, necessitar de cuidados especiais. Muitos
recém-nascidos, no entanto, são prematuros ou chegam ao mundo com transtornos
que exigem o acolhimento em unidades especializadas de tratamento intensivo
neonatal.
Os
meios de comunicação noticiam amiúde a superlotação das emergências, a falta de
leitos hospitalares, as longas filas para consultas e cirurgias e a falta de
médicos em segmentos críticos da assistência em saúde. A situação agonizante
dos recém-nascidos enfermos, no entanto, é pouco focada e nada perde em
importância ante o trágico cenário que emerge da demanda de leitos, que excede
constantemente a oferta em serviços neonatais, públicos e privados.
A
assistência pré-natal evoluiu muito, viabilizando diagnósticos precoces e
intervenções salvadoras ao longo da gestação. De outra parte, ainda que
reconhecendo as diversas melhorias disponibilizadas pelos programas públicos de
acompanhamento de gestantes nos últimos anos, observamos deficiências no setor,
potencializadas pela desigualdade socioeconômica ainda dominante no Brasil. Os
índices de nascimentos prematuros ainda são alarmantes, muitas vezes produzidos
por causas preveníveis, como tabagismo ou simples infecções, de singelo
tratamento, não detectadas ou combatidas em tempo hábil.
Na
Região Metropolitana, nascem cerca de 70 mil novos cidadãos por ano, quase
metade da natalidade global do Estado. Houve expansão de leitos de UTI neonatal
nos últimos anos em nosso Estado, sobretudo em unidades de pequena e média complexidades.
A
estrutura de atendimento para bebês doentes, no entanto, ainda se encontra
completamente defasada, sobretudo para situações de maior gravidade. O
atendimento telefônico das UTIs neonatais, a partir dos serviços públicos de
regulação, não é eletrônico, mas a resposta padrão é: “Não há vagas”. De fato,
estão permanentemente premidas por superlotação.
O
resultado do descompasso repercute em todos os que militam em linha de frente,
diante de casos dramáticos de busca de vagas para gestantes de alto risco e
recém-nascidos cujo caminho único de sobrevivência encontra-se bloqueado pela
insensibilidade e falta de planejamento estratégico da gestão em saúde. Exemplo
emblemático são os bebês que nascem com cardiopatia, a exigir suporte clínico e
cirúrgico altamente especializado. Os dois centros capacitados para receber
essas crianças encontram-se permanentemente lotados, indisponíveis.
Lidando
há mais de três décadas em intensivismo neonatal, clamo por mudanças.
Precisamos alinhar a necessária redução da mortalidade de recém-nascidos às
melhores taxas de mortalidade infantil observadas nos últimos anos em nosso
Estado. Precisamos ampliar e qualificar a rede de UTIs neonatais, devemos uma
resposta impactante aos bebês que lastimavelmente já nascem precisando do
oxigênio da nossa sociedade.
*Médico
neonatologista do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, diretor científico da
Sociedade de Pediatria do Rio Grande do Sul
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