24/12/2013
e 25/12/2013 | N° 17654
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Zorrilho
Viajava
de carro com a família. Meu filho me questionou que cheiro era aquele na
estrada.
Era
de zorrilho.
Mas
é ruim, né? – ele comentou.
Não
achava ruim, apesar de surgir quando o bichinho se sentia ameaçado e em perigo.
Eu
me alegrava com o cheiro. Significava que entrava em Uruguaiana. Finalmente
vencia os 650 quilômetros de chão.
Abria
os vidros para que o vento me trouxesse a lufada característica de ingresso na
cidade, o odor vinha envolvido com o sol da manhã batendo nas plantações de
arroz ao fundo.
A
raposinha era o primeiro aviso que desceria em Uruguaiana. Meu pórtico
emocional.
Minha
infância voltava intacta com a nuvem do olfato: atravessar os trilhos do trem
no inverno, quebrar o gelo do percurso de ferro até a escola União; tirar com
os dedos a cal dos muros do Clube Ferro Carril; beber chimarrão na Praça Barão
do Rio Branco com pipoca doce; acompanhar o desfile na Avenida Presidente
Vargas.
O
pai me levava para assistir à Califórnia da Canção. Funcionava como
fonoaudiologia para mim. Sofrendo sérios problemas de dicção, ele me convidava
para acompanhar as finais, pois consistia no único momento em que não tinha
vergonha, perdia a timidez e cantava alto junto com milhares de pessoas. Eu,
que mal falava, cantava no festival. Somente cantava em Uruguaiana. A calhandra
de ouro morava em meus olhos.
Sempre
o zorrilho como carteiro. Sempre o zorrilho oferecendo as boas-vindas.
Podia
ser um cheiro ruim, mas era o cheiro de minha meninice. O cheiro de minha
esperança. O cheiro de estar em família.
Era
o cheiro da fronteira, da possibilidade de ouvir espanhol em Paso de los Libres
e misturar idiomas.
Era
o cheiro de minha solidão. Quando desistia de perguntar para a mãe se estávamos
chegando e tentava descobrir pela paisagem.
Era
o cheiro da cumplicidade. Os adultos não me poupavam de nenhum assunto, me
reconheciam como homenzinho para falar de coisas sérias e de negócios.
Era
o cheiro da amizade, quando conversei pela primeira vez com um cavalo.
Era
o cheiro da minha independência, quando troteei pelas coxilhas sem ninguém me
acompanhando.
Era
o cheiro da diversão, quando colhia as bolinhas de soja caídas do vagão para
arremessar nos colegas.
Era
o cheiro de que não vivi em vão, de que me lembrava o quanto jamais deixei de
ser um menino feliz. Feliz porque aprendi a repartir minhas tristezas em
Uruguaiana.
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