quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012



02 de fevereiro de 2012 | N° 16967
ARTIGOS - Osmar Terra*


Além da Fase

As reportagens de ZH sobre a Fase obrigam a uma profunda reflexão. Com fatos irrefutáveis, desnudam seu papel inócuo na recuperação de crianças e adolescentes institucionalizados. A matéria acompanha o destino de 162 internos em janeiro de 2002. Dez anos depois, só dois não estão envolvidos em crimes, dos demais, 48 foram mortos. É uma constatação devastadora!

Mudar o nome, culpar as mazelas sociais, os métodos, o convívio prisional etc. tem pouco impacto. Uma das razões é o tratamento genérico e ideológico do problema. Culpar a sociedade desigual gera conformismo e justifica o pífio resultado.

Ignora-se que, além dos problemas sociais e culturais, há outro universo, como transtornos mentais, particularidades individuais, incluindo a vulnerabilidade à dependência química, que tornam parte da população mais suscetível à transgressão.

Um ambiente de penúria tem maior probabilidade de desencadear tais transtornos, mas a situação social, por si só, não cria infratores. Mesmo com a maioria da população em diversos níveis de pobreza, 98% das crianças e adolescentes, de qualquer classe, não cometem infrações graves.

São os mais frágeis psiquicamente que transgridem de forma repetida. É dessa reduzida minoria que acontece a multiplicação da reincidência. Além disso, é notável um grau de parentesco entre infratores. São provenientes de limitado número de famílias de risco.

A recuperação desses meninos, quando acontece, é demorada e exige mais do que uma estadia na Fase. Precisa de acompanhamento multidisciplinar, com atendimento psiquiátrico/psicológico. Deve ser individual e familiar, com visitas domiciliares frequentes, por longo período além da internação, dando ao menino e família o suporte para sua reinserção social.

O problema não é a privação da liberdade, sem ela haveria mais vítimas, e sim como acontece e o depois.

Os transtornos, facilmente detectáveis nos meninos da Fase, que aumentam a impulsividade e a frequência de infrações, surgem ainda na primeira infância. Eles são fortemente influenciados pelo abuso ou negligência parental.

Quando manifestam maior severidade, na adolescência, já são difíceis de tratar. Por isso, o maior impacto virá de ação preventiva, com intervenção precoce, ainda na primeira infância, atingindo as famílias de risco com programas de visitação domiciliar, como o Primeira Infância Melhor (PIM).

Richard Tremblay, pesquisador sobre raízes da violência, afirma que adolescentes mais agressivos já mostrariam essa tendência aos seis anos (www.conass.org.br/admin/arquivos/relatorio_para_grafica.pdf).

É bom lembrar que experiências pilotos de atendimento domiciliar, em parceria com ONGs como o Cededica, iniciadas no governo anterior, poderão melhorar os resultados. A Fase é uma janela aberta para entendermos as raízes da violência. Vamos utilizá-la da melhor forma possível em beneficio dos nossos jovens.
*Deputado federal (PMDB-RS), ex-secretário da Saúde

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