quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012



23 de fevereiro de 2012 | N° 16988
L. F. VERISSIMO


Agora era Cinzas

Quando ainda se escreviam crônicas de Carnaval, as de Quarta-feira de Cinzas eram as mais comuns. Tratavam de ressaca e remorso, de fim da folga e volta ao trabalho, e de todas as possibilidades dramáticas ou patéticas de um carro alegórico abandonado e um falso marquês estirado na sarjeta.

Havia até uma subcategoria de crônica de Quarta-feira de Cinzas, a crônica de volta do marido para casa. Do reencontro, às vezes catastrófico, do brasileiro com a realidade na forma da Adalgisa esperando no portão, e não aceitando desculpas.

Quarta-feira de Cinzas era uma coisa muito brasileira. Como ninguém tinha um Carnaval parecido com o nosso, ninguém tinha um pós-Carnaval tão triste. Uma queda de tanta altura. Mas o curioso é que quanto maior e mais coisa inédita brasileira fica o Carnaval, mais o nosso pós-Carnaval perde suas características – e seu valor literário.

Hoje, a figura típica do pós-Carnaval não é mais o folião deixando sua fantasia no caminho na volta ao seu duro cotidiano, é o finlandês embarcando no avião e levando sua fantasia para mostrar em casa. E não tem mais Adalgisa esperando no portão.

O marido que volta teve o mesmo destino de outros personagens clássicos: foi engolido pelo tempo e pela irrelevância. Ele não sai mais de casa no sábado e só reaparece na quarta-feira vestindo um cuecão e dizendo que foi sequestrado por sugadoras alienígenas, o que explica os chupões no pescoço. Isso é coisa do tempo antigo. De outros pós-carnavais.

Razão têm os baianos, que acabaram com o pós-Carnaval. Lá chamam a Quarta-feira de Cinzas de “Recomeço”, e emendam. E como gênero literário as crônicas de Quarta-feira de Cinzas também perderam toda a legitimidade. Viraram anacrônicas. Como esta, que ainda por cima está saindo na quinta.

Estou escrevendo sem saber o resultado da votação para as escolas do Rio. Fiquei impressionado com o Salgueiro, mas estou sempre predisposto a ficar impressionado com o Salgueiro.

Mas desconfio que este ficará na história como o Carnaval da parada da bateria da Mangueira. Quer dizer, a coisa mais memorável do Carnaval de 2012 será o silêncio.

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