sábado, 18 de fevereiro de 2012



19 de fevereiro de 2012 | N° 16984
VERISSIMO


As Loucas

A filha não podia ver o pai fantasiado de mulher que protestava

Antes de se casarem o Haroldo avisou:

– No Carnaval eu sou outro.

A Heloísa aceitou. No dia a dia do casamento Haroldo seria um, no Carnaval seria outro. Quais eram as condições do outro?

1) Sair no sábado de Carnaval para juntar-se à sua turma e só voltar na quarta-feira, sem horário especificado.

2) Não precisar dar explicações sobre por onde andara e o que fizera entre o sábado e a quarta-feira ou sobre eventuais manchas na roupa.

3) Ter acesso irrestrito ao armário da Heloísa, pois era uma tradição do seu grupo sair vestido de mulher. O nome do grupo era “As Loucas”. Heloísa só pediu esclarecimentos sobre o terceiro item. O Haroldo queria acesso aos seus vestidos, era isso? Ou o acesso incluiria chapéus, bolsas, sutiãs...

– Tudo – disse Haroldo. – Inclusive perucas.

Mas de uma coisa a Heloísa poderia ter certeza, segundo Haroldo. O outro sempre voltaria. Por onde andasse e o que fizesse entre o sábado e a quarta, o outro sempre voltaria. Heloísa concordou. E casaram-se.

No dia a dia do casamento, Haroldo era um marido exemplar. Heloisa não tinha queixa dele. No trabalho (contabilidade) também era um modelo de retidão e discrição. Mas era só se aproximar o sábado de Carnaval e Haroldo começava a ficar inquieto. Examinava o guarda-roupa da Heloísa, já planejando sua fantasia.

– Cadê aquele seu pretinho que eu gosto?

E quando terminava de se vestir, no sábado, Haroldo apresentava-se para Heloísa, com (por exemplo) o sutiã por cima do pretinho, e perguntava:

– Como é que eu estou?

– Horroroso.

Era o que ele queria ouvir. Saía para encontrar-se com “As Loucas” dando risada. E só voltava na quarta-feira

Os filhos tinham custado a aceitar o “outro” e sua loucura carnavalesca. A filha, principalmente, não podia ver o pai fantasiado de mulher que protestava.

– Que mico, pai!

Mas Heloísa se acostumara, e só reclamava quando Haroldo perdia uma peruca, ou voltava com uma meia rasgada ou um salto quebrado...

E, como costuma acontecer, o tempo passou. Hoje, Haroldo não tem o mesmo ânimo de outros carnavais. “As Loucas”, que eram seis, agora são três: duas morreram, uma está proibida pelos médicos a sair de casa. Heloísa tenta animar Haroldo, em vão. Até a filha, no outro dia, disse:

– Papai, eu vi um tailleurzinho que ficaria ótimo em você.

Nada adianta.

Neste sábado, Haroldo chegou a botar um vestido e um chapelão mas ficou sentado no sofá vendo o Carnaval na TV – a cena mais triste que eu já vi na minha vida, disse Heloísa.

– E o outro? – perguntou Heloísa ao Haroldo. – Que fim levou o outro?

– É. Desta vez ele não voltou – disse Haroldo.

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