terça-feira, 28 de fevereiro de 2012



28 de fevereiro de 2012 | N° 16993
DAVID COIMBRA

Quando eu quero ser mau

A melhor qualidade que um ser humano pode ter é a bondade.

Kant não concordaria. Do alto de sua capacidade filosófica germânica, ele não considerava a bondade predicado. Por uma razão irredutível: por ser inata. Quer dizer: a pessoa nasce com aquilo, não se esforça para sê-lo. Como a beleza física – não existe nenhum mérito nela, a não ser uma harmônica combinação de genes.

Mas, embora não haja méritos, não há nada de errado em admirar quem foi dotado com uma boa aparência ou com um bom coração. O mundo é um lugar melhor para se viver quando andam sobre sua superfície uma Megan Fox ou um Gandhi.

Só que a beleza não cansa, mesmo quando surge em excesso, como a de Catherine Deneuve em horário nobre. Bondade, sim. Bondade demais cansa.

Digo isso porque tenho uns dois amigos, não mais do que dois, que são tão bonzinhos que despertam em mim o que tenho de pior. Aquela bondade melequenta me irrita. Quero ser mau quando estou com eles e, o mais grave, transformo-me, realmente, em uma pessoa má. Vejo malícia em tudo, enxergo todos pelo lado ruim, sou crítico e amargo, sou agressivo, sou veemente, sou como alguns comentaristas de blog.

Como pode a bondade pura gerar sentimentos ruins?

Aí está. Entendo o motivo. Ainda que Jesus tenha garantido que os mansos herdarão a Terra, a mansidão não é uma qualidade apreciada pela maioria das pessoas. Porque a mansidão parece frouxidão, e as pessoas não gostam de quem é frouxo. As pessoas gostam de quem é bom, sim, mas desde que a bondade seja atuante, decidida e positiva, jamais passiva. A bondade tem de saber ver a maldade onde a maldade existe.

Difícil não ver maldade nas intenções da Andrade Gutierrez nesse negócio com o Inter para a reforma do Beira-Rio. E o presidente do Inter, Giovanni Luigi, que é um homem cordato e educado, que respeita as outras pessoas, ou seja, que é um homem bom, o presidente do Inter já viu essa maldade. A irritação silenciosa que o presidente demonstra em suas entrevistas mostra isso.

O bom caráter do presidente do Inter não faz dele um manso, na pior acepção da palavra. Nada disso. Luigi tem demonstrado que sabe agir, quando é preciso.

Agora é preciso.

À beira da areia

Pela primeira vez em nem sei quantos anos, passei mais de uma semana sem escrever. Aluguei uma casa nas franjas da areia do Litoral Norte e me mantive com a dieta básica de caipirinha e pastel de camarão, longe das malhas da internet, dos debates de rádio e TV e das aflições da cidade grande, como diria o velho Pinheiro Machado. Li apenas literatura, olhei o mar indo e vindo, indo e vindo, e senti meu cérebro atrofiar gostosamente.

Foi pouco tempo, sei, mas o suficiente para encontrar algumas mudanças no retorno. Sobretudo mudanças de concepção, que são as mais importantes. O Grêmio está voltando a pensar como pensou um dia. Pensando que a grandeza não prescinde do empenho. Que o talento se esfarela sem o cimento do esforço. É uma evolução.

As ideias de Luxa

As saídas de Caio Jr. e Douglas deram ao Grêmio mais do que alguma evolução técnica ou tática. Deram ao Grêmio uma evolução ideológica.

O Grêmio agora retoma a ideia de que é preciso ser agressivo na tomada da bola para ser agressivo quando tiver a posse dela. Um time só se torna vencedor se tem meio-campistas que participam do jogo com intensidade.

Foi assim que o Grêmio envolveu o Inter no Gre-Nal, e assim foi melhor do que o Caxias na Serra. Perdeu nos pênaltis porque pênaltis são imponderáveis. A ideologia não é imponderável.

Existe um mito de que Vanderlei Luxemburgo é um técnico ofensivista. Balela. Vanderlei Luxemburgo preza o bom jogo, claro que sim, mas sabe que o bom jogo só é jogado quando se tira a bola do adversário.

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