sábado, 18 de fevereiro de 2012



18 de fevereiro de 2012 | N° 16983
CLÁUDIA LAITANO


Gostos inconfessáveis

Rosana cantando O Amor e o Poder como se o mundo fosse acabar amanhã. Um jingle da Pepsi dos anos 80 (“busque sempre mais, deixe o resto pra trás e tudo que quiser você vai ter”...). Leandro e Leonardo pedindo encarecidamente que eu pensasse/ligasse para eles e não pensasse/ligasse pros outros. Whitney Houston esticando os agudos até o limite da dignidade no refrão de I Will Always Love You.

Esses são alguns dos meus “gostos inconfessáveis” – ou eram, até eu confessá-los aqui. Todo mundo sabe do que se trata. O gosto inconfessável é aquele que trilha um caminho alternativo na nossa afeição, conquistando espaço em território estrangeiro.

O chamado “gosto” nasce de um processo de formação de repertório. Aprendemos a ver, a escutar e a ler na medida em que somos expostos a variadas e múltiplas experiências. Com o tempo, esse aprendizado mezzo racional, mezzo sensível vai se consolidando naquilo que acreditamos ser o nosso gosto, as nossas preferências – que acabam tão profundamente ligadas a nossa identidade que muitas vezes temos a sensação de que já nascemos com elas.

Há casos, porém, em que o gosto pode ser tão incoerente quanto uma paixão. Racionalmente, percebemos quando um filme está usando golpes baixos para nos fazer chorar ou quando uma música apela para uma fórmula de sucesso fácil para emplacar no gosto do ouvinte médio, mas o fato é que até mesmo uma obra de segunda linha é capaz de fazer vibrar uma corda qualquer em nossa sensibilidade a ponto de nos comover ou fascinar.

Como aquele personagem de Proust que fez loucuras por uma mulher para mais tarde admitir que ela nem sequer fazia seu tipo, também somos capazes de chorar ouvindo uma música tola ou assistindo a um filme previsível sem sequer entendermos por quê.

O gosto inconfessável é uma espécie de penetra na festa dos nossos afetos. Não era para ele estar ali, mas está. Alguns mandam sentar e servem uma bebida – outros preferem escondê-lo no armário para desfrutá-lo solitariamente.

Ouvindo I Will Always Love You à exaustão nos últimos dias – um gosto confesso de milhares de fãs, mas um gosto inconfessável meu e quem sabe de outros não fãs – me ocorreu que a instituição do “gosto inconfessável” talvez tenha ficado anacrônica. A começar pelo fato de que poucas coisas, hoje, permanecem inconfessáveis – não há gosto, mania ou preferência que resista à tentação do compartilhamento.

Além disso, o “gosto inconfessável” só se sustenta quando admitimos alguma espécie de cânone, um repertório que não adquirimos sem algum esforço e que exige uma certa reverência ao passado – tese que vem cada vez mais perdendo popularidade.

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