quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012



29 de fevereiro de 2012 | N° 16994
PAULO SANT’ANA


Corpo a corpo com o pitbull

Quase não dá para acreditar no relato que vocês vão ler agora. É inacreditável que um homem tenha enfrentado um pitbull.

Mas deixemos que o poeta e editor Rossyr Berny (atendimentoalcance@gmail.com) conte ele próprio o que foi sua experiência, que está nas linhas abaixo.

Caro jornalista Paulo Sant’Ana, igual ao senhor, também odeio pitbull. Neste sábado, descobri que um homem calmo, despertada sua fúria, pode ser fera, também.

Estava em casa quando vi, na rua, um pitbull estraçalhando um gato. Era a besta puxando o bichinho para baixo de um carro – para poder estraçalhar melhor –, e uma mulher tentando livrar o gato da bocarra assassina. Cada qual puxando para um lado; e o bichinho no meio, esticado ao limite do esquartejamento.

Enlouqueci, pois lembrei que, há poucos dias eu dava assistência, no Pronto Socorro, a um funcionário de minha firma que se acidentara feiamente de moto.

Naquele momento, os médicos realizavam uma cirugia em um garoto atacado por pitbull.

Meus ouvidos e meu coração nunca esquecerão o grito de desespero daquela mãe, ao receber a notícia da morte do filho: “Meu menino, não!”.

Aquele grito horrorizado foi uma bomba de dor no interior do Pronto Socorro. Não suportei, saí chorando porta afora. (Dores de perdas trágicas conheço bem; pai e irmã, atropelados e mortos no trânsito.)

O desespero do coração da mãe me veio à mente, vendo a cena dantesca. Então, descobri que um homem tranquilo pode ser fera, também.

Ajoelhei-me junto ao carro onde a besta puxava o gatinho para baixo e agarrei com a força que Deus me emprestou a garganta do pitbull. Soltou-se na minha primeira tentativa, na segunda... Voltei ao ataque e consegui uma posição dos cinco dedos segurando, se fechando e destruindo a traqueia do sanguinário.

Nos debatíamos, num jogo de forças entre ele e mim; nem ele largava o gatinho nem eu soltava sua garganta. Ficamos a eternidade de minutos naquela luta bárbara. Até que, sem fôlego, trancando-lhe o ar – é assim que eles matam as crianças –, soltou o desesperado gatinho, o qual perfurava meu braço, tentado livrar-se da morte.

Voltou-me à mente o grito da mãe vendo o filho falecido: “Meu menino, não!”. Agarrei o pitbull pelas patas traseiras e comecei a girar rapidamente sobre meu eixo. A cada duas voltas, quando pegava velocidade, rebentava o corpo dele contra a parede da casa ao lado do carro; mais voltas, mais força... e o grito daquela mãe no meu ouvido, ferida de morte; mais voltas e rebentei o corpo dele no asfalto, pois ele ainda tentava girar sobre si para me morder. Repeti, sempre girando, o choque dele contra o muro, contra a cerca, contra o chão. Meu Deus, o desespero daquela mãe...

Repeti o cerimonial macabro e, por fim, imaginando o diabo morto, o joguei para a estratosfera, de onde caiu, estatelado.

Incrivelmente, o pitbull ergueu-se. Ficamos nos olhando, agora cara a cara, ambos em posição de ataque. Ele com os olhos assassinos, aquela bocarra de pegar crianças...

Meu coração saindo pela boca, dizia-lhe, desafiador: “Vem me pegar como pegam as crianças, vem!”. Mas veio foi o dono dele, que o deixara escapar de casa – onde também tem criança. (Esses donos buscam, de maneira velada, alguma compensação da virilidade masculina ausente?)

Levaram o gatinho para ficar muitos dias numa clínica veterinária, caso milagrosamente se salve.

Voltei para casa, impactado. Pensei nos que me conhecem há quase 60 anos e jamais, jamais, me viram numa atitude violenta.

Senti um rasgo de alívio, acima de tudo pelas mães que tiveram seus filhos estraçalhados por pitbulls. E por outras que ainda terão.

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