quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012



15 de fevereiro de 2012 | N° 16980
PAULO SANT’ANA


A fuga de Charqueadasx

Curiosíssima fuga da Penitenciária de Charqueadas deu-se no domingo.

Um homem foi visitar o irmão preso e condenado até 2032 por assaltos.

O irmão do preso entrou no presídio e ficou por duas horas com o apenado em sua cela.

Depois disso, o preso passou por cinco postos de identificação e saiu da prisão lépido e faceiro, passando-se pelo visitante.

Ficou no lugar do preso o seu irmão visitante.

Simples e romanesca a fuga em Charqueadas. Os dois irmãos gastaram apenas uma peruca para a fuga do presídio que se intitula de Alta Segurança.

O visitante entrou vestindo uma peruca. O irmão dele, o preso, estava com a cabeça raspada, assim como o visitante.

O visitante emprestou a peruca ao preso e ficou na cela, com a cabeça raspada. Mediante a peruca, o preso passou por cinco postos de fiscalização do presídio, embora tenha 20 centímetros a mais de altura do que seu irmão.

As autoridades juram que não houve comprometimento de agentes na fuga. Difícil de acreditar, mas é possível que não tenha havido corrupção e que a evasão se deu mesmo por absoluta falta de controle no presídio.

Então ficamos assim: o preso que a Justiça quer não é o preso que ficou, é o que foi embora.

O que ficou será apenado com dois ou três anos de prisão pela acusação de facilitação de fuga e falsidade ideológica.

O preso que foi embora deve 20 anos de prisão à Justiça e é perigoso, vai continuar assaltando. O preso que ficou é inofensivo.

Deu-se uma ação de grande solidariedade entre um irmão e outro. O irmão que ficou na prisão demonstrou ser pródigo com o irmão que fugiu, este passou a ter com aquele uma grande dívida de gratidão. Não é qualquer um que aceita ficar preso para soltar uma outra pessoa, entende-se muito pelo parentesco estreitamente sanguíneo.

Trocou-se um irmão por outro na prisão e com isso trocou-se também o diretor do presídio, que foi substituído por outro.

Mas, se não houve corrupção de agentes na fuga, como se substituiu o diretor?

Se a culpa é da precariedade do sistema prisional, o diretor não tem qualquer responsabilidade na fuga.

Eu fico imaginando a tensão e a expectativa do preso que fugiu, nas duas horas em que conviveu com o irmão visitante na cela, depois quando passou pelos cinco postos apinhados de agentes, apenas com a carteira de habilitação do irmão ficante e uma peruca na cabeça. Ele deve ter vivido instantes de intensa emoção.

E logo em seguida a porta central da prisão se abriu e ele se viu em liberdade. O único pedágio que pagou foi deixar o irmão preso, altíssimo pedágio, lucrando ainda uma peruca.

Mas é que o irmão fuginte valia mais fora da cadeia do que o irmão ficante. Vai faturar com assaltos na rua, enquanto o outro é um joão-ninguém que não servia para nada, só para ajudar o irmão a fugir.

Será que o preso que fugiu não tem nenhum remorso por ter proporcionado a prisão do irmão que ficou?

Talvez não tenha, porque foram trocados 20 anos de prisão por apenas dois ou três do ficante.

Que historiazinha singela esta. E que plano bem arquitetado, se é que não houve suborno.

Mas um fato nesse caso foi o mais interessante: quando os agentes deram com a fuga e foram até a cela para interrogar o irmão que ficou, ele disse que não estava entendendo nada, dormira por alguns instantes e acordara com a cabeça raspada.

Ele de cabeça raspada e o irmão de peruca, em liberdade.

Pois sim.

Nenhum comentário: