terça-feira, 21 de fevereiro de 2012


Carlos Heitor Cony

Hora da verdade

RIO DE JANEIRO - Minhas terças-feiras gordas sempre foram magras. Magríssimas. Hoje enfrento mais uma delas, porque o Carnaval acabou e a rotina volta, com seus espantos, escândalos e deveres banais, como o de escrever mais uma crônica. Tenho com aquilo que os jornalistas de outrora chamavam de "tríduo momesco" uma relação problemática, de atração e repulsa ao mesmo tempo.

A atração fica por conta de duas ou três aventuras que poderiam ter acontecido no Carnaval ou fora dele. Não me deixaram marcas nem memória. A repulsa é mais vívida.

Num dos anos mais antigos do passado, obrigaram-me a vestir uma fantasia de morcego -quase todos os meninos de Paquetá saíam de morcego, uma enorme cabeça de papelão que fedia a cola e uma camisola preta que fedia a morcego mesmo. A única alternativa era o chinês bigodudo com uma sombrinha que me parecia afrescalhada.

Ali pelo início da tarde, saía de casa sozinho, procurando sempre o lado da sombra, a fantasia era quente e eu escondia a minha vergonha dentro da máscara hedionda. Vez por outra, assustava um menino desprevenido, que abria a boca chorando e pedindo a ajuda da mãe.

Até que um dia, numa rua deserta, depois de uma curva, dei de cara com a morte. Devia ser um menino como eu, só que mais assanhado. Uma camisola branca com uma cruz na frente, outra atrás e a caveira com os enormes dentes à mostra, dois furos macabros no lugar dos olhos.

O coração veio para a boca, impedindo o grito. Não havia mais ninguém na rua e no mundo. Foi a minha hora da verdade.

A caveira estava excitadíssima, avançou para o morcego com péssimas intenções. Paralisado pelo terror, o morcego decidiu fugir, desabaladamente, saiu correndo com as poucas forças de que era capaz. Está correndo até hoje.

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