quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012


Antonio Prata

Grave, o recado

Descobri que a birra com relação a deixar recado no celular é consensual, quase falta de educação

Descobri por esses dias que deixar recado no celular saiu de moda. Pior, tornou-se quase falta de educação, algo assim como pedir dinheiro emprestado ou mordida de sanduíche.

Fiquei sabendo desta nova cláusula da etiqueta ao ligar para uma amiga, advogada. Ela não atendeu, entrou a gravação e eu já estava pensando em alguma gracinha para dizer, uma dessas bobagens inúteis e carinhosas que regalamos às pessoas queridas -como um bombom que se larga na mesa de uma colega de trabalho, na volta do almoço-, quando dei com as torpes palavras: "Oi, aqui é a Mariana, POR FAVOR, NÃO DEIXE RECADO, prefiro que me mande uma mensagem de texto".

Eu, ingênuo, achei que o problema era da Mariana. Tadinha, tá trabalhando muito, ralando ali naquele balcão de tragédias que é o exercício do direito; normal que, em nome de causas maiores, tenha deixado para trás os pequenos prazeres da vida. Como não queria ser responsabilizado pela condenação de inocentes ou pela absolvição de criminosos, desliguei o telefone antes do bip e esqueci o assunto.

Até que, anteontem, liguei para um amigo músico. Vejam bem: mú-si-co. E não é que ouvi o mesmo desaforo? "Oi, aqui é o Jaime, NÃO DEIXE RECADO, me manda um SMS ou um e-mail e eu te respondo, tá?". Não, Jaime, não tá. O que é isso, companheiro?! Cê é controlador de voo? Motorista de ambulância? Vendedor de amendoim em final de campeonato? Não; então não enche o saco e ouve meu recado, que eu te conheço desde o jardim 2 e acho que mereço 27 segundos de seu tempo, cazzo!

Fossem só a Mariana e o Jaime, tudo bem, mas assuntei por aí e descobri que a birra é consensual. "Se o bina nos informa quem ligou e o SMS e o e-mail dão conta de qualquer mensagem, pra que perder tempo escutando aquela ladainha?", dizem.

Realmente, tem sua lógica. Sugiro, aliás, aplicá-la a outras esferas do comportamento humano, de modo deixar nosso cotidiano mais eficiente. Por exemplo: se já existem vitaminas em pílulas e carboidrato em gel, pra que fazer uma refeição? Ou; uma vez inventada a inseminação artificial, vamos parar com esse arcaísmo de botar-se nu sobre outra pessoa, igualmente nua, e ficar indo, vindo e grunhindo? Céus, que época para se viver!

Não, talvez não seja a época, mas a idade em que me encontro, em que se encontra a maioria das pessoas com quem convivo: 30 e poucos anos. Essa presunção estúpida de que cada um de nós é uma engrenagem fundamental na máquina do mundo, elo importantíssimo no processo de fritura do torresmo.

Estou fazendo graça; sinto-me um tanto hipócrita. Não fujo à regra. Também ando por aí, afobadinho e ansioso, querendo otimizar meu tempo, com raiva dos outros sempre que se tornam obstáculos à plena realização das minhas capacidades produtivas.

Que ridículo. No fim das contas, o único momento em que seremos 100% produtivos, em que nem uma célula será desperdiçada e nem uma caloria gasta em vão, é quando virarmos adubo para o capim do cemitério.

E nessa hora, meus caros, enquanto estivermos devolvendo ao cosmos a energia que nos foi brevemente emprestada, não precisaremos nos preocupar: ninguém vai telefonar para atrapalhar nosso trabalho. Ou melhor, o das minhocas.

antonioprata.folha@uol.com.br

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