quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012



22 de fevereiro de 2012 | N° 16987
JOSÉ PEDRO GOULART


En pánico

“Nunca entres en pánico”, disse o guia do rafting (descida de barco por corredeiras) num espanhol atravessado. O sujeito era americano, mas estava no Chile, em algum lugar ausente de qualquer mapa. Já eu estava ali por acaso, ia para o Atacama passar o Carnaval no deserto, onde supunha que além de aventura poderia fazer uma espécie de “preset espiritual”. Só que veio um dilúvio (no deserto!), e o preset teve que ser transferido para outra ocasião, provavelmente num shopping de Capão da Canoa.

Assim, num plano B, é que me encontro, junto a um grupo de desconhecidos, prestes a descer, num bote inflado, um rio perto da Cordilheira dos Andes recebendo instruções do simpático, mas enérgico; solícito, mas preocupado; experiente, mas zeloso guia.

E ainda compelido a vestir capacete, roupa de borracha e, claro, colete salva-vidas. Se eu me olhasse no espelho provavelmente iria cumprimentar o estranho. Nesse momento é que escutei a recomendação, a primeira, das muitas vezes em que seria repetida: “No lo entres en pánico!”.

Escutei bem? Pânico? Como assim, está incluso no pacote? E os serviços fúnebres também estão? Olhei para o lado procurando solidariedade: um casal de chilenos, um americano, um garoto mirradinho com a camiseta da Argentina, a mãe dele, eu disse a “mãe” dele! Todos me olhavam como se eu fosse o Scooby-Doo no colo do Salsicha. E o guia firme, inabalável diante dos inaptos, continuava a detalhar, por mais de meia hora (!), “o que fazer em caso de emergência”.

Sufoquei os temores e fomos para água. Mais instruções sobre “como não entrar em pânico”, agora no departamento aquático. Imaginei a morte de capuz de borracha preto afiando a foice, sentada na ponta do bote. Foi nesse momento que disse que queria sair.

“Olha, eu só estava em busca de um pouquinho de emoção, um ou dois pontos acima de uma roda-gigante, por exemplo. Não era meu plano desfilar de Rolex, à noite, sozinho, no Complexo do Alemão, ou cruzar o Niágara Falls com crianças e mães irresponsáveis.” “No, no, y no, ahora tenemos que ir!”, disse o guia.

As águas eram sonolentamente calmas. Devo dizer que, caso a gente não remasse com força, sabe-se lá se o barco se moveria. Olhei para o guia, rabo de cavalo, cara avermelhada inocente. Qual é o plano, amigão? Olha que te dou um peteleco com esse remo por ter me feito envergonhar Bagé aqui no Chile. Percebendo meu olhar inquisidor, ele declarou: “No te disse, é solo quedarse tranquilo, sin pánico”.

Nenhum comentário: